A estrada continuava. Enorme, escura em alguns trechos, ensolarada em outros, sinuosa e enigmática. Eu sigo, assim, meio sem jeito, pé depois do outro, tentando não tropeçar.
Não que eu tenha medo, mas meu dedo esfolado, ou o raspão no
joelho, me dizem que algumas surpresas não são fáceis de lidar. Mas sigo.
Em alguns momentos imagens belíssimas me presenteiam com
perfume, cor, vida e esperança. Raios de sol por entre as frondosas árvores,
lembrando como a luz chega onde quiser quando damos passagem. E quando chega,
deixa visível um mundo a parte: folhas, flores, sementes, insetos coloridos no chão.
Encanta.
Distraio meus pensamentos então, saio da paisagem real que
me acolhe, e voo para meus receios e dores, que inevitavelmente insistem em
chegar. Rapidamente uma nuvem cobre a Luz. Não vejo mais nada - nem insetos, cores ou mesmo os perfumes, que
parecem se perder. O mesmo caminho maravilhoso e tranqüilo se torna denso,
profundo, duvidoso e desafiador.
Respiro. Olho para todos os lados, e a penumbra só aumenta.
Quanto mais penso no que ela pode engolir ela se adianta e me dribla. Paraliso.
Estou no breu.
A estrada. Eu e ela. Não há mais nada. Voltar não me parece
lógico, pois, se parti, é porque não quis ficar. Seguir me parece perigoso
demais sem enxergar meus próprios pés.
Neste momento penso que é exatamente esta dúvida que assola
almas e almas nesta estrada sem fim. Como seguir, se já temos calos e
cicatrizes? Como dar passos se a visão nos falha, nos abandona às vezes? Paramos.
Simplesmente paramos e perdemos momentos e momentos questionando se deveríamos
ter partido, quem deveríamos ter escutado, o que não deveríamos ter desejado.
Paramos.
Pensamos várias vezes no passado, nas frases, nas
conquistas. Lembramos de coisas que nem demos tempo suficiente para apreciar.
Sentimos culpa. Entristecemos. E continuamos parados.
Congelamos. Adoecemos. Maldizemos nossas escolhas. Culpamos
outras pessoas que poderiam ter servido de lanterna ou placa de direção. Ou
quem nos serviu de âncora e nos afundou. E continuamos parados.
Em um dado momento, todavia, paramos de culpar, sofrer,
esbravejar ou se perder, e começamos a pedir. Olhamos para o céu e pensamos
que, se a luz voltasse, poderíamos voltar a caminhar com segurança. Rezamos.
Rezamos com toda a fé que dispomos, e petrificamos nossos
olhares no alto, esperando a tal bênção. Nada. A tal Luz não vem. Aí sentimos
raiva, revolta. Ou mais culpa e mais tristeza. Afinal, de quem é a responsabilidade
pelo breu eterno? Nossos erros ou o destino implacável e duro? Eu ou o outro?
Ninguém responde.
Há gente que pára por aí, e nunca mais consegue seguir.
Séculos de estagnação, o corpo dormente, mente paranóica, coração gelado.
Estagnação. Inflexibilidade.
Um pavor percorreu minha coluna. Parar. Parar para sempre.
Nunca mais sair, aprender, mudar, crescer, renovar. Somente doses e doses de eu
mesma, para sempre, igual, rançosa, repetitiva e sem sabor. Mesmas frases,
mesmos erros, mesmas desculpas, mesmas reclamações, mesmas explicações, mesmas
atitudes, mesmos resultados. Desesperador.
Depois de alguns instantes de pavor nesta imagem, resolvi
andar. Não se via nada, o escuro engolia a tudo, e eu não poderia ter certeza
de passo algum. Poderia tropeçar. Poderia cair e me machucar. Poderia pisar em
algo, até quebrar. Mas nada, nada me parecia pior que estagnar.
Fechei os olhos e lembrei da Luz. Passei minha mente por
cada lembrança, cada detalhe que pude lembrar do que ela me proporcionara de
beleza e frescor. Sorri, de peito tranqüilo. De alguma forma tudo aquilo ainda
existia, em algum lugar. Era só acreditar e não pensar em mais nada.
Um passo. Dois. Dez. Surpreendi a mim mesma por continuar
sem problemas. Fixava minha mente em tudo de mais belo que podia reunir em um
só pensamento.
Foi então que senti uma brisa quente. Depois um canto suave.
Abri os olhos devagar.
Estava tudo ali. Perfeito. As cores, as flores, os insetos,
os raios de luz. Era exatamente o mesmo lugar que caminhei no breu. E era
perfeito. Olhei para a Luz delicada, banhando cada folha, iluminando minha
pele, e sorri.
Não importa se estamos bem ou tristes, fortes ou fracos, certos ou duvidosos. Tudo o que precisamos está sempre, exatamente, ali, a um passo de onde estamos parados. A única coisa que nos separa da luz é a força da nossa vontade, a certeza do que queremos acreditar. A força está dentro de nós mesmos.
Pense Luz e verá luz. A sua luz. É ela que na verdade,
ilumina o caminho.
O céu... bom... o céu na verdade é uma escuridão sem fim, um
mistério apaixonante e maravilhoso. É só levar a lanterna do seu coração na
viagem. Simples assim.