segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Aniversário e Samhain

No escuro de mim, fui fazer aniversário.
Quase Lua Nova em Escorpião... quer mais "escuro de mim" que isso?

Samhain. Festa Celta. Ano Novo. Culto aos Velhos. 

Perfeito.
Aliás, mais que perfeito... mágico.
Sabe o dia em que você cura? Não sabe? Então vai saber... é para estes dias que vivemos. São vários na vida, e meu aniversário foi um deles para mim.

A roda era perfeita. Pessoas novas, velhas, alegres, tristes, sábias... Sábias todas por terem decidido estar ali. Todos perfeitamente seguros.
Quando o Cláudio Crow começou a falar - um dos nossos anfitriões e puro mago -  os Homens-árvore chegaram. Eram enormes, lindos, como que saídos dos livros que lemos, mas eu sei que são inspirados na vida real que enxergo desde sempre. Eu sabia que existiam, mas nunca havia visto os Homens-árvore nesta vida. E lá estavam, reverenciando o Cláudio com profundo amor. 

Um deles me olhou e senti uma alegria imensa. "Somos todos árvores", nosso condutor disse naquele momento, e eu juro que senti aquele ser de mais de cinco metros de altura sorrir, senti sim.

Bom, depois foram os seres menores - duendes, fadas, ondinas... Rodopiavam ao nosso redor, em uma festa incrível, e eu pensava... "queria que todos vissem isso".. mas eles estavam vendo, de alguma forma.

Quando a Patrícia Fox - nossa anfitriã bruxa - acendeu o fogo, as salamandras a reverenciaram, e foi lindo. O fogo apenas obedece seres muito fortes. É fácil domar água, a terra... o ar requer um pouco mais de concentração. Mas o fogo requer força, e ela tem, definitivamente. Ver esta integração foi mágico também.

Foi mergulho na alma. Colhemos na natureza pedaços de nós mesmos, acolhemos tudo ao peito, e foi preciso descartar... Preciso dizer...doeu, mas descartei o que compreendi que era tempo... todos descartaram, e a roda se refez mais leve.

Na intuição da Mestra, quadrantes foram formados, e eu pude compartilhar o fogo em um deles... e distribuir... Senti um Amor enorme ali na dança das salamandras, nos abraçando e nos aceitando como irmãos, invocando nosso Fogo Interno da vida.
Aceitamos o convite, abrimos corações, desnudamos um pedacinho da alma em roda, lemos cartas circulares como a vida... e estávamos prontos para o que fosse, já que os "irlandeses são os reis do improviso" (saber disso alivia por dentro, grata Cláudio!).

Na Roda dos antepassados, a magia realmente teve seu ápice da noite (ou do dia). Eu, que sou Perséfone de nascença, fiquei maravilhada...

Um portal imenso foi aberto para cima e para baixo, margeado por uma força guardiã descomunal... Éramos quantos? Vinte? Mas a energia canalizada era imensa, surpreendente! Portais se abriram, forças aceitas, almas liberadas... 

Em segundos estávamos em uma festa. Avós, Avós de avós, avozinhos... entravam na roda, circulavam a energia, tocavam seus entes queridos com calma e respeito.
Luzes eram liberadas do centro, voando como vagalumes pelos portais abertos. Com certeza iam atrás dos seus destinos - ancestrais que não poderiam estar presentes. Seguiam em várias direções, ao céu e à terra... pois todos mereciam Luz naquele momento, independente de onde estavam e como viviam sua Verdade agora.

"Bênção Vó!". Todos abençoados!. 
A cada vó que passava sua sabedoria, um pouco da cura acontecia.

Minha cura foi especial.
Eu curei algo que não sabia que tinha: a dor do não reconhecimento.
Eu sou neta de avô motorista e avó dona-de-casa-costureira, que me deram um pai economista. Neta de uma vó curandeira que deixou a faculdade de medicina para casar (não poderia ter as duas coisas! Absurdo...) e um avô comerciante que a levou para seus infinitos negócios vida afora, e que me deram uma mãe professora. Não tem arte na minha família, nem fantasia, nem dança... família prática. Vida prática que tentou abafar minha avó curandeira, mas ela sempre surgia com lendas, ervas e plantinhas atrás do balcão dos negócios, ou no pagamento dos funcionários. Ela era minha inspiração e porto-seguro de alma.
Mas a vida me fez prática porque sim, me fez dor porque precisou, me fez mudança porque mereci... mas antes de eu me encontrar de verdade, minha avó se foi.
Minutos após de eu saber que iria ganhar mais uma filha, ela se foi, fechando a Roda da Vida de morte e renascimento - a Virgem chegava ao meu ventre de Mãe, e a Anciã se despedia... O mistério foi feito por ela em mim, e por mim nela, naquele dia de dor e alegria - pura dualidade humana.

E agora, ver esta avó em auge de sua Beleza, e ouvi-la dizer que se orgulhava de mim olhando com tanto amor e força nos meus olhos, em meio àquela roda espetacular que se formava, me fez pensar pela primeira vez que nunca havia escutado isso na vida : "eu me orgulho da pessoa que você se tornou"... nunca. E nunca percebi que isso fazia falta.
Chorei. Muito mesmo. Choro contido por uma vida, lavando algumas dores desconhecidas... e ao mesmo tempo eu via avós abraçando, afagando, rindo, chorando baixinho de saudade...
Como não ser grata à magia da vida em um momento deste? Como não agradecer às almas que o manifestaram com tanto amor e vontade?
E ao final todas se uniram. Arrepiei, exultei e rezei. Poucos sabem do que é capaz tantas avós rezando uma Ave-Maria no Brasil pedindo pelo mundo! Sem palavras... Elas eram todas a Deusa. E nós éramos o broto novo, renovado, pronto para alçar novos voos... Eterna e imensa alegria e frescor!

Comemos e partilhamos a fartura da Mãe. Dançamos e agradecemos a beleza e alegria da Vida em cor e festa... todos aqueles ancestrais reunidos dançando, se entrelaçando aos vivos em corpo, formavam o belo entrelaçado Celta que une o mistério de tudo, fazendo arte da vida. Era tudo Um Só, e éramos todos o que somos - Luz.
A voz do Cláudio cantando o que ele canta há milênios lindamente, a dança da Patrícia que no momento auge foi segurada pelos braços de seu pai até o final da música...
Se magia é outra coisa, prefiro não saber.

Ao som do tambor, eu renovei meus votos com a Vida. Ao som do tambor, em tribo e em certeza, vivi mais um capítulo da roda interminável de ser humano na Terra. Minha coruja voou ao meu redor, e eu me acalmei, sabendo que tudo estaria ali quando precisasse ver. No escuro, que é meu dom.
Aos poucos a natureza foi se encaixando na paisagem, as auras se guardando para si mesmas, assim como recolhíamos as velas, toalhas, bolsas, alimentos e instrumentos. 

Da mesma forma que criamos, destruímos, para criar outras coisas. 

Bom... criar e destruir. Lembra que colhemos para descartar? Pois bem... No momento do descarte, olhei para uma pinha na minha mão, toda negra, evidentemente sobrevivente de uma fogueira mais velha. Eu a colhi com o respeito de uma corajosa e destemida guerreira sacrificada, queimada e desprezada, mas ainda em pé. Foi ela que teve que ir, foi ela que descartei na roda. Não preciso mais dela. Foi difícil, mas libertei a bruxa sofrida de dentro de mim. Deixei-a ir. Aos poucos, ela foi sendo levada pelo vento, lentamente, e no escuro a perdi. Ela precisava descansar.

Se precisamos de um motivo para existir, acho que viver algo assim deve ser um que valha a pena.

Samhain. Festa Celta. Ano Novo. Culto aos Velhos. 
Perfeito. Aliás, mais que perfeito... mágico.
Sabe o dia em que você cura? Não sabe? Então procure saber... é para estes dias que vivemos. São vários na vida. Este aniversário foi um deles para mim, e desejo um igual ou melhor a você!
Recebo e retorno em Luz. É o que mais amo fazer.