terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Retomada


Não basta apenas tentar intensamente. 
Não basta se embrenhar em uma causa com corpo e alma. 


É necessário mergulhar sem ressalvas atrás de um objetivo. Ou de um sonho. Porque tudo, tudo, só é conhecido no fundo. No profundo dele mesmo.
A coragem inicial precisa ser forte e decisiva. Acho que até meio burra, para não amarelar. E isso é bom. 

Eu queria tentar, mesmo com tudo contra mim. Mesmo parecendo loucura, mesmo tendo a impressão racional de que sofreria muito. Eu queria tentar. 
Senti a tal coragem no sangue, no ar, na pulsação do coração. Eu queria, eu podia, eu vou. 
Eu fui.
Estranho esta coisa de coragem, pois, ao mesmo tempo que te move, parece que te cega. Ou será que quem acaba cegando é a vontade? Eu não sei. Só sei que mergulhei fundo atrás de uma intenção verdadeira, de um sonho verdadeiro e inteiro, mesmo que imperfeito, e não pensei em mais nada. Segui.
O que não previ foram os percalços. Ou previ, mas subestimei. 

Não previ que me machucaria mesmo querendo o bem. Não previ que compreender fosse cada vez mais complicado e dolorido, e que às vezes tudo parece não ter fim. Não previ que, em algum momento, poderia ficar escuro, e eu sem saber o que fazer. Que poderia me faltar o ar. Eu não calculei a distância que teria que percorrer. Eu apenas queria muito seguir. 
Não fui lógica. Não ponderei as dificuldades no caminho. Não previ dores, fraquezas, decepções. Eu apenas segui.
Foi inevitável. Um dia eu duvidei. Um dia eu senti medo. A força havia diminuído consideravelmente. A alegria havia sido consumida aos poucos, a cada percalço do caminho, a cada recarga do meu motor necessitado de vontade e certeza. De repente, eu parei e comecei a questionar meu empenho e até a minha vontade.
Estava tudo muito quieto. Um silêncio absoluto e uterino. Eu, dentro de mim. Escuro, o mesmo escuro do ventre, onde se sabe tudo sem enxergar. Eu queria enxergar. Ou saber.
Só então lembrei de mim. Eu não havia olhado para mim desde o início daquela jornada. 
Era tanta vontade, tanto desejo, tanta força, tanta coragem... que eu não olhei para mim. E no mesmo instante em que me lembrei, alguma coisa doeu.
Eu ainda desejava muito. Mas parecia impossível seguir. Agora, parada, olhando cada parte de mim, eu não podia mais ignorar meus cortes e arranhões conquistados no caminho. E eu estava fraca. Fraca para continuar. Decidida demais para voltar.
Pensei ter me superestimado. Pensei ter sido arrogante. Ou apenas uma completa ignorante. Ignorante sobre mim mesma. 
Mas eu quis tanto... Era tudo o que eu tanto queria... Um sonho que acreditava poder realizar... mas ainda tão fora do meu alcance. Longe de se comemorar.
O que eu faço aqui sozinha no meio do caminho, entre o antigo frustrante e conhecido, e o novo almejado e duvidoso? Apenas silêncio ao meu redor. Nenhuma resposta.
Meu coração pesou. Ele precisava de paz. Minha alma cansada precisava de certeza. Não havia mais energia para sacrifícios e compreensão infinita. Eu precisei parar.
Olhei para o caminho percorrido e vi gotas de sangue e suor. Não havia sido fácil, apesar de eu fazer parecer fácil para os que olhavam e compartilhavam. Apesar de eu não desistir. Na estrada, eu havia perdido partes minhas, alegrias, sonhos que nutri e foram traídos, certezas que tinha e foram massacradas sem dó alguma, apenas para continuar e encarar a realidade do caminho. E esta realidade, mesmo quando conquistada aos poucos, não me fazia sorrir sempre. Era tortuosa e insegura, parecia me dar, e depois me tirar algo, o tempo todo, sem aviso algum. Frustrante.
Vendo o que via, sentindo o que sentia, finalmente, me cansei. Desisti de entender. Ou de decidir.
Flutuei no escuro, aconchegada pela minha decisão recém encontrada de parar, e fechei meus olhos no breu. Quem era eu afinal? Por que queria tanto tudo aquilo? Será que seria feliz com tanta dor para curar no caminho? E por que tinha dores que não conseguia curar? Valeria a pena seguir adiante, mesmo assim?
E minha alma transbordou em desespero. 
Foi então que chorei. Chorei fininho, bem baixinho, sem ninguém escutar. Chorei uma canção em memória às minhas dores e minha coragem sem fim. Chorei pelas decepções que tive que enfrentar, cada palavra dura que ouvi sem me preparar, pela estrada que fora bem mais dura que pude imaginar. Chorei pelo meu coração aberto que tantas vezes sangrava, chorei pela maldade que espreitava, e muitas vezes pôde me alcançar. Havia ainda muita dor em mim. Era antiga, rançosa e falha. Não significava mais coisa alguma. Mas doía. E eu queria tanto avançar...
Chorando, me acalmei. E sem perceber ao certo como, algo aconteceu. 
Uma luz perfeita cortou o breu do mar sem fim, e chegou certeira ao meu coração. Algo doce e quente me invadiu aos poucos, e pude respirar calmamente, sem dor ou hesitação. Não havia palavra alguma, nem me deu explicações, mas me fez infinitamente bem. 
Voltei a fechar os olhos então, não mais por medo, mas por outra emoção; desejei mergulhar ainda mais dentro de mim e sentir o que me acariciava; desejei me fechar em feto, em semente, voltar à essência de mim mesma, voltar a ter certeza, brilhando naquela luz.
Sentindo equilíbrio na novidade, identifiquei pensamentos brotando na minha mente, sem avisar.
"E se eu desistisse da coragem? E se eu desistisse da força? E se eu largasse meu corpo inerte nas ondas, se flutuasse sem esforço algum, e me entregasse ao meu destino? E se eu parasse de lutar, de desbravar, de buscar, de tentar alcançar, e apenas pedisse uma bênção merecida para minha ama cansada? "
Acreditei. E minhas palavras começaram a ecoar...
“Das profundezas do mundo dos sonhos, do lugar perdido onde a magia reina e que não consigo alcançar, da casa onde a beleza e a alegria são o ar e a fogo da vida, do coração maior que conhece a intenção e o mérito de cada pequeno coração... que a luz venha até mim.  
Que o mundo dos milagres e da magia me encontre. Ele, que flutua entre os outros mundos, dando e tirando, como a Justiça Maior ordena, que me encontre nestas profundezas dos limites que alcancei. Sozinha, já não posso mais.
Que ilumine meus olhos, que cure minhas feridas, que apague minhas lembranças de dor, que liberte minha tristeza, que aqueça meu coração, e faça renascer a minha alegria.
Venha até mim, luz do amor, já que não consigo mais, sozinha, seguir.”


Pedi com todo fervor. Eu seria atendida, pois eu acredito no Amor. E ele veio. 
Trouxe raios azulados, perfeitos, iluminados e precisos. 
Depois as cores, as estrelas, as luzes, as flores, a beleza sutil de tudo que não se pode tocar. Sem que eu dissesse mais nada, emergi, em um só pulsar. O sol brilhava tranqüilo, o vento me acariciava a face, jogando meus cabelos pelo mar. Eu flutuava, respirando o ar salgado com a maior doçura do mundo, e sentia vontade de dançar. 
Uma energia quente e suave tocou minha mão e entrou na minha verdade. Eu me transformei em pura eletricidade de luz. Meu coração disparou, meu sorriso se abriu, e nada mais importava. Eu só conseguia sentir entusiasmo e a imagem que eu tanto aspirava voltou a permear a minha mente novamente em alegria.
"Eu vou conseguir. Sei que ainda falta bastante, mas vou conseguir."

Não basta apenas tentar intensamente. É necessário mergulhar sem ressalvas atrás de um sonho. A coragem inicial precisa ser forte e decisiva. Mas em algum momento, não vai depender mais da sua força ou vontade. Em algum momento, você encontrará seu limite. Nesta hora, não aceite seus pedidos de desistência. Não volte. Não afunde.
Será preciso ter fé. 
Entregar, pedir e acreditar. Invocar a luz que ainda estará escondida no seu ser. Ela sempre existe. 
Será preciso aceitar a magia do impossível, e assisti-la acontecer através de você. Sem julgar.
Se não pode mais andar, peça que te levem. Mas siga sempre, na bela roda da vida, mais uma vez. Sem parar. 

Agora eu sei que posso novamente. Ainda não alcancei, ainda tenho dúvidas sobre o caminho que vou percorrer, mas a dor se foi. Não sei por quanto tempo. Até o próximo percalço. 
Mas quanto valem os sonhos? Quanto valem os meus sonhos? 
O bastante para voltar a seguir. Mais uma vez.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As borboletas do novo ar


Feliz Ano Novo! Abençoado 2013!
O novo ar traz borboletas. Borboletas azuis, brancas, amarelas, ousadas e faceiras, pedindo para serem amadas e admiradas. Despretensiosas, convidam nossas próprias borboletas a sair do casulo dos sonhos e voar no céu. O novo mundo tem céu azul e limpo, mas um sol tão forte que ainda me cega...
Nunca senti isso antes. Depois de tanto tempo revivendo a roda da vida, entre dores e amores, é a primeira vez em milênios que não sei o que sentir. Ou fazer.
Há coisas belas no ar etéreo, o plano sutil se desmancha em promessas de alegria e realizações. A natureza se refaz em brilho, novas estruturas de energia se deixam admirar. A Terra resplandece, com uma força e confiança que nunca pude assistir. Não que me lembre.
Dá quase para tocar. Mas ainda não consegui.  É como uma vitrine ainda inatingível, um sonho na tela do cinema. “É para mim? Vou poder sentir?”
Sim. É para todos que fizeram parte da história, mesmo sem perceber. O ar transformado é a bênção dos loucos, dos insanos crentes no amor... Mesmo para aqueles que ainda não conseguem senti-lo totalmente.
Fechando os olhos em silêncio, peço com vontade e fé para entender por que. Onde está a trava que não deixa libertar o que voa através da alma em alegria? Será que ainda é dor?
Sempre existiu o culto da dor e do medo, o medo de sentir dor, antigos ceifadores de sonhos e sorrisos, vilões da alegria e vida. Isso eu conheço muito bem. Será que é dor velha, que não merece mais existir? Simplesmente medo infundado, já antiquado, de algo que não existe mais, apenas dentro de mim? Será que ainda não saí da ilusão?
No meu caso, o desconforto se instalou no elemento ar invadido pela água sempre descontrolada do meu ser. Emoções invadindo os pensamentos. Minha respiração tem ficado difícil, tive algumas crises de sinusite, e até meu plexo revirou nas horas críticas. Pura dificuldade em me equilibrar no novo, enquanto enxergo o velho no plano físico ao redor de mim. O que será que sinto?
“Não vamos perder mais nada. Já perdemos tudo para estarmos aqui. Este novo mundo criado ainda invisível e sutil foi conquistado e não dado, e por isso não pode ser levado nunca mais, ele só precisa se materializar através de cada um que acredita e se liberta na sua verdade...”
Alívio na bela voz que me sussurra. “...não pode ser levado nunca mais...”, “...se liberta na sua verdade...”
Perdas. Cansei de perdas. Cansei de decepções. Cansei de frustrações. Cansei de sacrifícios, de lamentos e solidão. Cansei de tristeza sem fim. Não quero mais nada disso.
Cansei de injustiças, de traições, de mentiras e falta de amor. Cansei de acreditar, de investir, de sonhar, de ajudar sempre, de dar sem pedir...e cair. Cansei do modo egocêntrico que algumas almas simplesmente tiram tudo de outras, apenas porque acham que merecem. Cansei de ver um esmagar o outro, justificando tudo com desejos e medos pessoais, desprezando a dor alheia. Cansei muito.
Respirando bem fundo na alma, me olhando de dentro para fora, dando vazão aos meus sentimentos mais escondidos – mas não menos fortes por isso, acho que entendi finalmente. A voz me clareou.
Cheguei à conclusão de que estou é cansada mesmo. Cansada das últimas batalhas, das últimas conversas, das últimas injustiças, traições e decepções. Cansada de esperar o que não veio até o final. E não vem mais. Apenas isso.
Cheguei à conclusão de que cruzei a linha de chegada em frangalhos. Terminei a prova, cumpri minha missão, mas preciso descansar. Foi desgastante demais.
Não que não esteja feliz. Estou, e muito. Como todo guerreiro que vence a batalha, comemorei com entusiasmo a chegada e a conquista. Amo cada nova fagulha de luz que brota nas auroras dos dias, cada centelha de vida desperta nestes últimos meses malucos de trabalho. Estou muito, muito satisfeita. Mas isso não apaga as cicatrizes e o sangue que se perdeu.
Vi na aura da Terra que muitos estão como eu. Não é falta de alegria ou de gratidão pelo que se criou. Não é que não se sente que tudo está a um passo de começar a ter vida. É puro cansaço mesmo. Precisamos de descanso.
Pedi então às entidades da Luz e Amor que me dêem este descanso. Um tempo para que minha energia se recobre, se adapte, se molde e se conecte realmente à esta aura dourada que a Terra agora brilha. Um tempo para que eu faça minhas próprias borboletas voarem. 
Parece que ainda é forte demais para mim, que ainda não as deixei voar, mas sei que é temporário.
Alguns já saltitam e dançam por aí. Já liberaram o cansaço e a dor, liberaram seus sonhos-borboletas e já estão conectados com tudo que é novo, fazendo a diferença acontecer. Abençoados sejam! Que me inspirem!
Como muitos amigos em espírito que se dedicam à iluminação de tudo que é mais oculto, clareando as sombras ao seu redor, eu sempre fui morosa mesmo, limpando os últimos cacos que ficam. Inanna, a deusa que desceu os sete portais do submundo para abraçar os que lá sofriam por qualquer motivo, agora volta lentamente,  um a um, recolhendo em cada etapa um pedaço do que deixou para submergir. 
Depois, com calma, acho que vou tratar cada borboleta de um jeito único e especial, como se fossem pérolas ou cristais, saindo uma a uma, com calma e carinho. Eu sou assim. Eu gosto assim. 
Cada um é de um jeito, cada um escreve sua caminhada da vida com uma poesia diferente, e somos todos belos igualmente. Que assim seja.

Para quem é parecido comigo, saiba que aos poucos recuperaremos nossas belas vestes de luz. A cada dia, veremos mais borboletas da vida nos convidando para algo novo e belo, trazendo nossas próprias borboletas para a matéria e seremos mais aptos a libertá-las com vontade e determinação. A cada novo amanhecer estaremos mais leves e confiantes novamente.  
Para os outros que já voam, continuem a saltitar! Afinal, a natureza não se apressa, nem atrasa. Ela tem seu próprio tempo. Quem somos nós para contrariar…