terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dor e compaixão

O tempo está acabando. Para todo mundo.
O tempo de mudar, de tentar, de insistir, de se confundir, de lamentar. É tempo de apenas seguir.
Seguir seu rumo, sua escolha. Encarar sua casa, escolha, trabalho, rua, cara, pergunta, resposta, pedido, desculpa, medo. Encarar o erro, errar diferente, errar novo, sem ranço nenhum.
Porque o velho passa. O velho já passou, e quem insiste em não ver, está sendo consumido pelo cansaço que o erro traz, através das braçadas bravamente dadas contra a correnteza que sabe exatamente para onde vai.
E para onde eu vou?
Juro que tentei saber. Definir, planejar, do mesmo jeitinho que aprendi em casa, na escola, na faculdade. Do mesmo jeitinho que me rendeu boas avaliações dos meus chefes, há uma década atrás. Mas não funciona.
Percebi que o Universo se tornou um oceano profundo e cristalino, lindo, mas indecifrável a cada dia. Não se sabe o que trará, não se sabe o que esperar. A cada nova onda, um novo rumo. E vamos nós.
Coloquei minhas dores em um saquinho e olho para elas todos os dias. Não que eu goste disto, mas são minhas, e se não olhar para elas, nunca poderei curá-las. Engraçado como elas parecem diferentes a cada etapa que enfrento. Lentamente elas parecem se transformar, a cada nova forma que vejo a vida.
A primeira grande decisão foi aceitá-las, mesmo que às vezes totalmente irracionais e ilógicas.
Sentimento não tem razão, e dores geradas por sentimentos também não. Mas existem, fazem um mal enorme e não posso me enganar a respeito.
A segunda decisão foi amá-las, porque são parte de mim. Todos os meus erros são parte de mim. Minhas decepções, as decepções que criei em outras pessoas, as que abracei pelo que esperava dos outros. São todas minhas, e a dor que eu sinto não é problema de ninguém.
E a terceira, e talvez a mais difícil, foi decidir viver sem elas. Porque elas viciam, consolam, dão explicação ao que não merece explicação, são condescendentes demais com minha sombra. São uma muleta para minhas dificuldades,  justificam o injustificável, jogam no outro - ou no mundo - o poder de me curar.
E segui.
A cada dor libertada, foram-se sonhos, pessoas, verdades. Muita coisa foi levada por este tal oceano profundo portador do Novo Despertar. Doeu. Fazer o que?
Hoje, não sinto mais dor. Diante da palavra mais dura, do fato mais triste, não sinto minha conhecida dor. Fico triste, mas conheci um sentimento muito mais poderoso, sábio e verdadeiro, que tem utilidade nas situações onde não posso nada, onde nada é como eu queria, onde o que espero não acontece e me dá vontade de chorar. Descobri a Compaixão.
Substituir dor por compaixão é uma troca maravilhosa, apesar de dura e difícil.
Dor é egoísta, egocêntrica, impotente, ilusória. A compaixão é altruísta, coletiva, poderosa, verdadeira, generosa. Ela dá força, nos torna maiores que o problema, capazes de superar e ajudar, nem que seja apenas com uma vibração de amor através da verdade compartilhada.
Esta é minha nova meta: trocar dor por compaixão. E compaixão não é diminuir o tamanho do problema, passar a mão na cabeça do outro, ou na sua própria, desculpar tudo o que feriu, ou dar tudo o que te pedem. É ver a verdade tal como ela é, entender as dificuldades de todos os lados, e procurar uma saída que liberte. É dar ao outro a total capacidade de superação, é dizer a ele que ele pode, sem se enganar. É dizer a você mesmo, que pode, encarando os fatos. É entender a dor, aceitá-la, e usá-la para crescer através da sua verdade, respeitando o limite de cada um.
Hoje olhei o mundo lá fora e me entristeci muito. Fiquei triste por situações que não posso mudar, por pessoas que não posso abraçar, por palavras que não consegui explicar, sentimentos que não pude expressar. Senti por quem fiz sofrer, por quem não entendi, ou por quem não me fiz entender. Senti o mundo todo em um único suspiro, e ali, naquele momento, eu sabia que o tempo havia acabado. Muitos deles não voltariam, não teria uma segunda chance para alcançá-los. E só havia uma única sensação boa: a de ter tentado.
O mundo todo está em colapso, as pessoas estão no seu limite, a natureza enfrenta várias e várias nuances de desespero e calmaria, exatamente como nosso coração. Turbilhões de sentimentos, emoções desveladas, sombra compartilhada, dor aceita para ser transmutada. Como poderia um tempo assim ser fácil?
Mesmo assim, parece que tudo está certo. Se vibrar dentro da alma, na sua frequência mais alta, percebe que de alguma forma, tudo está certo. E você para de lutar com a verdade. E nasce a compaixão.
Todos se perguntam onde tudo isso acabará - 2012, Nova Era, Portal 11:11, Convergência Harmônica, Guerras, fim do calendário... Acho bobagem. Ninguém sabe.
E vamos ser verdadeiros... algum dia soubemos onde cada decisão nossa acabaria? Por que agora todos querem prever o futuro? Pura bobagem.
O futuro é isso aí - a pura continuação do agora. Só que mais forte, porque é mais maduro e sábio. Cheio de incertezas, porque nunca poderíamos prever todas as variáveis que nos cercam. Por isso é tão poderoso.

Depois das lágrimas, respirei. Eu sei que fiz o que pude, não me lamento mais, apesar de vibrar Amor.
Do fundo do coração, mandei um abraço enorme e guerreiro para todos que tiveram coragem de partilhar a Terra comigo, de cruzar meu caminho, nesta e em outras vidas.
Na hora que paramos de sofrer, encaramos a verdade. Na hora que temos compaixão desta verdade sobre nós mesmos, e sobre os outros, encontramos o Amor.
E este, vamos combinar, é a coisa melhor do mundo de se sentir...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tesouro

Acontece com todo mundo.
Você passa milênios buscando algo. Vidas seguidas de suor e dedicação. Almeja, idealiza, mentaliza, sonha.
Um dia, depois de vários alarmes falsos e decepções, você finalmente encontra!
Depois de tanta dificuldade, coragem e determinação, é seu tesouro, sua pedra preciosa, a pura imagem da sua alma feita matéria.
Você comemora, sente um êxtase infinito, curte, curte muito... Até que, com o tempo, as coisas mudam.
Seja por um medo inexplicável de perder o que conquistou com tanto custo, seja porque nada é suficiente para o ser humano e precisamos ir ao encontro do próximo sonho, seja porque nos sentimos fragilizados diante de um objeto que exerce tanta força sobre nós... quem sabe... mas mudamos.
Em algum momento enterramos o tesouro. Afinal, tesouro não é tesouro neste mundo pós-lemuriano se não estiver enterrado ou no fundo do mar...
Passamos então a sonhá-lo novamente por não mais vivê-lo... fica inacessível por nossa própria escolha, pela sua segurança, pela segurança dele... Tanta burrice...
E você vai vivendo uma vidinha mediocremente feliz ou aceitavelmente triste, até que um dia, o Universo te dá uma chacolhada por qualquer motivo; você acorda com uma cisma qualquer e tem uma vontade estranha de olhar para ele. Volta seus olhos para as entranhas do seu submundo... E seu mundo cai...

A bela pedra iluminada não é a mesma. Inexplicavelmente, está trincada, ou sem brilho, e você surta.
Como, como pode ter sido se a guardei tanto, se a protegi, se a escondi de qualquer um que pudesse tocá-la, roubá-la ou machucá-la? Até de mim mesma?
Á partir deste trauma sem precedentes, a única coisa que nos passa à mente é consertá-la, então. E sua vida não tem outro motivo maior...
Mas a cada tentativa de curá-la, você assiste desesperada que a situação piora a olhos vistos; sua querida pedra parece não querer ajudar. Quanto mais faz, mais estraga seu belo tesouro, sem nada poder fazer ao contrário...
Até que, em um momento horrível que você nunca desejou viver, ele se rompe totalmente. Despedaça-se completamente nas suas mãos, se transformando em pó, voltando ao que fora um dia... uma lembrança perdida , uma imagem bela e longínqua.
Desespero. Indignação. Revolta. Dor.
Fracasso. Desânimo. Culpa. Tristeza infinita. Sem saída.
Mas o mundo - ainda bem - é cíclico, e não linear. O último ponto de uma estrada conhecida sempre termina no primeiro da próxima a se desvendar.
Um dia você se conforma. Levanta da cama, olha o sol de manhã e diz que sorrirá novamente. Tudo bem, afinal aquele tal tesouro não ERA VOCÊ, ele ERA SEU. E você pode continuar. Existirão outros (isso você diz para se consolar, porque no início parece sinceramente uma bela mentira...) e volta a desejar sonhar. Acho que é a donzela sonhadora que se torna finalmente, uma mulher real.
E a vida segue. No início você deseja um tesouro exatamente igual. Depois, mais lúcida, começa a aperfeiçoar sua imagem, planejar melhorar sua busca e seus objetivos a conquistar. Vai conquistando também sua maturidade, e isso é muito bom de sentir.
Quando você acredita realmente que superou a perda inestimável, quando se vê andando desenvolta e segura pela nova estrada, quando aprecia novamente a paisagem que se mostra e não lamenta a saudade da antiga, sem querer, tropeça na tal pedra.
Meu Deus, como pode, é exatamente a mesma pedra! Ela havia se transformado em pó! Eu não estava procurando mais por ela...
Passado o susto, o questionamento, você se entrega à uma total e maravilhosa sensação de bem-estar pela conquista surpreendente. Desta vez ela não foi fruto de uma busca frenética. Você não revirou céu e mar para encontrá-la, não abriu mão de coisas importantes por ela, não teve que provar que a merecia. Ela simplesmente...te encontrou.
E uma paz enorme te invade. E a gratidão te consome e transborda da sua alma. E a luz aquece seu espírito. E seu corpo se entorpece de puro prazer...
E só então percebe. Ela não está exatamente igual. É a mesma pedra, mas parece mais transparente, mais brilhante, reluz diferente. Parece que aprendeu a iluminar de outra forma, tem outro sentido...
Acolhendo ela ao peito, com toda a alegria que uma pessoa poderia sentir, você se dá conta que também se tornou outra pessoa, e uma bela surpresa abre portas na sua mente. A antiga menina havia se quebrado com a pedra perdida, havia se transformado em pó, e você nem ao menos havia notado... A pedra se quebrando havia levado tudo o que a prendia a ela, os medos, as dores, os apegos, as ilusões... Ela a havia elevado, mesmo quando a levou ao chão. Enquanto você se reinventava à partir do que havia restado, havia sido a luz dela, ou a luz que dentro de você se comunicava com ela, que a guiou, sem perceber, ao seu auge de mulher.
No dia que sua alma se encontrou, no dia que renasceu, no dia que se reinventou...ela pôde, então, existir novamente. Mas como você, ela nunca mais será igual... Novamente... ainda bem.
Sua cabeça imediatamente aprende a respeitar seu coração, e aceita seus conselhos e sua voz de uma forma que nunca havia conseguido fazer. Escuta claramente o que ele diz. Nunca mais guardar tesouros! Nunca esperar para ser feliz! Nunca mais agir por medo ou por busca de ilusões!
Com a sabedoria da grande anciã que acaba de brotar da sua velha alma, confecciona com carinho e paciência, um belo e garboso colar com sua pedra iluminada. Coloca-a ao colo, exibindo junto ao seu peito todo o seu feito e conquista de Luz, sem medo, apego ou vaidade vazia. Afinal, tesouro é para se usar!
Junto à seu peito, a cada dia ela é mais bela, e te faz mais feliz, fazendo circular uma roda que não pára de verter alegria e êxtase em cada um dos seus dias...
Está aprendida a lição. Está pronta para a próxima, que será mais fácil, pois sabedoria acumula e facilita a estrada.

Acontece com todo mundo. Aconteceu comigo.

Você passa milênios buscando algo. Vidas seguidas de dedicação e suor. Almeja, idealiza, mentaliza, sonha.
Um dia, depois de vários alarmes falsos e decepções, você finalmente encontra! Uma carreira, uma resposta, um sentido, uma conclusão, uma conquista, uma superação.
No meu caso, foi um grande e verdadeiro amor...
E depois de tudo vivido, sentido, superado, resolvido, percebe que nada neste mundo pode realmente ser levado, ou destruído, se reside, de verdade, dentro do seu mais puro e verdadeiro sentimento da alma. Ali, é o único lugar seguro para um tesouro tão caro...
E que brilhar, faz parte de cada um de nós. Não ofusca. Só inspira quem olhar.
Isso faz nossa fé valer a pena. Mais ainda.
Ainda bem.
E seguimos nós, rodando...na pura roda da vida.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Respirar


Estou pensando em parar de suspirar. Percebi que uma parte da minha alma se contorce por dentro quando me permito profundamente trocar o ar que já não me alimenta mais. Não sei se é magia, alquimia ou simplesmente fisiologia barata, mas percebi que ultimamente tem sido cada vez mais difícil o retornar do nobre ato.
Talvez seja porque apenas suspiro quando todas as palavras não funcionaram. Ou quando nem as pude encontrar. Ou quando invoco o que escondo. Talvez porque inconscientemente eu pretenda engolir o mundo (ou o problema que ele me apresenta discretamente, me encurralando...) e o mundo não cabe no meu pulmão. Desesperado, pula para fora, levando algumas esperanças perdidas com ele. Maldoso.Cruel. Eficiente suspiro.
Estou pensando em respirar curtinho, exatamente da forma que minha professora de dança disse para não fazer, e que o Yoga condena. Só para ser superficial um pouco, fazer de conta que não vejo, que não sei, que não sinto, que não vi... Só para ficar mais fácil. Chega de sair fulminante, arrasando o peito, levando tudo, e deixando vazio.
Vazio. Puxa, dele eu passei a gostar. Sem ele para abrir caminho nada encontra pouso na alma cansada do velho... Eu preciso esvaziar...
Se não suspiro, não solto, se não solto, não posso voltar a entrar...
Então, o que fazer, respiro, suspiro, piro, pode ser?
De volta à certeza de que dor existe para ensinar.
Não há mais como voltar. Depois que se entra onde não se pode enxergar, o suspiro se torna cúmplice da caminhada. Revela, revira, põe para fora milênios de esconderijos. O que não se consegue mais guardar. O que pode dilacerar de não se libertar.
Eu me rendo à sabedoria da vida, onde tudo é como deve ser, e suspiro então. Apesar de dolorido, ele sorri de mansinho, com a certeza sarcástica de que cura fazendo doer. Que remédio?
Se não posso parar, então que seja belo. Que traga o novo para dentro, e nem me faça lembrar do que vai. Que seja meu amigo, parceiro, que diga que está tudo bem.
Que me coloque mais perto de mim, alinhe o eixo da vida, acorde o que ainda descansa. Que ilumine desconhecido, que revigore do cansaço.
Se é de ar que preciso, que seja. Mas que seja "o" suspiro então. Que abale tudo. 
Se é para revirar, que cause toda a diferença.
E vamos trocar vida!
Que assim seja.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Seguir


Coisas mudam de rumo. Pessoas mudam de rosto, de atitude, de lugar. Perdem seu lugar, ocupam outros, não encontram lugar para estar. A paisagem é outra, nova, ou a lente limpa deixa tudo diferente mesmo sendo tão exatamente igual.
E é preciso seguir.
Para onde? Há placas? "Ouça o seu coração!". E se ele se cala? Páro eu então?
Dores antigas se tornam calos. Não são belos, mas resistem a quase tudo, muito mais funcionais que minha pele já irritada pela fricção contínua de realidade pura. Pouca sensibilidade para a dor, um alívio. 
Mas como voltarei a sentir o Amor? É o que comecei a descobrir.
No mundo novo, quando se renova o que não era mais para ser, tudo é difícil de explicar. Mas faz sentido, de alguma forma.
Uma capacidade nova aflora, invade a alma, sem controle ou permissão. Uma renovada capacidade de perdão, aceitação, desapego. Ou de renovação, ativação, enfrentamento. Quem sabe?
Percebi que amo diferente. Amo grande, amo limpo, amo com clareza. Diante da pior dor, minha antes conhecida capacidade de proteção e enfrentamento foi substituída pelo mais puro Amor.
Amor protege? Surpresa não nova, mas difícil de se provar ou realizar: protege e muito. Mas não protege separando, criando muros e defesas. Protege juntando, desarmando, misturando, colocando tudo na mesma linha, no nível conhecido e igual da busca da felicidade.
Todo mundo quer ser feliz. Exatamente todo mundo. A diferença é o caminho que se traça para alcançar a tal situação privilegiada. Essa meta em comum nos iguala, a todos. Se queremos a mesma coisa, de alguma forma somos irmãos, mesmo que explicitamente diferentes. 
Passei a ver os outros pela alma. A alma sedenta de carinho, compreensão, realização, auto-estima. Gente na seca surta. Não que seja certo surtar. Mas a gente surta. E percebi que não posso nada contra ou a favor disso. A ação cria a reação, e o Universo se encarrega de conservar o equilíbrio da justiça. Ninguém necessita do meu julgamento. Ainda bem.
Assim posso apenas entender. Compreender. Aceitar.
Alguns equívocos, entretanto, parecem infinitamente piores. Infelizmente gerarão situações infinitamente mais desafiadoras para quem os canalizou. E não preciso fazer absolutamente nada para que isso aconteça. Ou melhor, preciso sim: não me intrometer no processo alheio. Esse é meu novo desafio. E está sendo muito bom.
E vou tateando o mundo novo, descobrindo na ponta dos dedos sua textura nova, mais agradável ou mais agressiva, procurando o que me agrada, o que me chama, ou pelo que minha alma clama. . 
Se quero de volta as espadas que me feriram? Se esqueço as dores que passei, e abraço de novo ingenuamente o que as criou, desprezando o que sofri? 
Não. Isso não é Amor, nem perdão. É retrocesso.
Amor é a sabedoria do que se viveu, o aprendizado do que se sofreu, e a coragem para se conviver com tudo isso por dentro, e ainda conquistar o novo, o necessariamente diferente do que já se conhece, e sorrir com a conquista. Sem pesar algum por isso. 
Se longe do que feriu, ou perto por ser melhor que foi, não importa. Se o adeus é necessário, que seja.
O importante é que se ama, se deseja o melhor, se compreende cada equívoco e se aceita que todos os cometem e se deixa seguir.  De cabeça erguida e alma lavada.
Afinal, quem poderá me julgar se não mais julgo ninguém?

Se liberdade é isso, o abismo valeu muito a pena, e não quero voltar nunca mais.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Morgana

Eu me perguntei onde estaria Morgana. Onde estaria a Senhora das Brumas, a mulher amaldiçoada por vibrar, mesmo sem querer, tudo o que se tem medo de acreditar?
Morgana, a senhora das fadas, a senhora das feiticeiras. Eu sempre preferi sacerdotisa. A Grande Sacerdotisa do oculto negado à humanidade.
Sua aura vibrava a iluminação do amor romântico, o poder da intuição, a elevação das emoções, a sacralidade dos corpos que se envolvem em sintonia com o coração. Isso é magia, então? Perigoso, mau, subversivo? Ou apenas uma forma de dizer que tudo o que mais se teme não é mais que natureza em movimento e alegria, fora do controle da razão?
Desejo? Paixão? Abundância? Dança? Alegria? Beleza? Tudo o que simplesmente se chamou de "prazer da carne", como se isso fosse ruim. E que seria da alma sem o corpo, seu abençoado invólucro de matéria?
Onde estaria Morgana, nestes dias malucos, onde todos são colocados à prova de suas maiores emoções e medos, onde finalmente se percebe que apenas a mente não pode satisfazer o ser humano? Onde estaria sua sabedoria, onde pousaria sua Luz e clareza, o que ela diria para mim?
Minha última memória de Morgana foi há muito, muito tempo atrás. Se perde na memória dos séculos.

Em um campo de batalha. Caminhávamos todas juntas  - mais velhas e mais novas – entre os corpos dos guerreiros caídos em combate, numa guerra entre irmãos que nunca mais teve fim na nossa terra sagrada. Não existiam mais feridos, já tinham sido todos levados, como sempre. Somente ficavam os mortos, para que nós os levássemos.
Éramos cerca de doze, mas uma era inconfundível e fortemente notável. Morgana caminhava entre os guerreiros no auge de seus longos anos de vida, com a postura impassível de Sacerdotisa Maior.
Eu a olhava com admiração misturada à mais sincera compaixão. Como podia ela estar ali, realizando seu dever como tantas antes de nós, e ao mesmo tempo carregando a missão de levar seu irmão e seu filho querido de uma só vez?
Eu pensava que nada deveria ser daquela forma. Para mim, parecia que Arthur não tinha sido digno. Tinha questionado os valores de sua infância e se aliado aos cristãos inescrupulosos. Arthur tinha permitido a guerra e tínhamos perdido Modred – aquele que seria a nossa redenção.
- Todos merecem ser levados como guerreiros da luz, minha irmã. Não julguemos o que não podemos compreender.
Morgana sempre tinha feito isso, desde menina. Ela sempre lia meus pensamentos e os complementava com algum ensinamento que muitas vezes eu não queria ouvir. Ela fazia isso com todas nós.
Olhando o corpo inerte de Arthur, eu pensei em Guinevere. Estava só agora, sem seu senhor. Lembrava dela há tantos anos atrás, bela e altiva, a escolhida pelo Senhor Ungido.
Morgana nunca foi amiga dela, nem a estimou, mas disse que a escolhida precisava conhecer os mistérios antigos para compartilhar a vida de Arthur. Então me escolheu para acompanhá-la.
Fui sua mentora por anos a fio, celebrando a deusa dentro dela a cada solstício e equinócio, emitindo os sons sagrados da cura. Até a grande ruptura.
Em algum momento, Arthur começou a questionar tudo, a buscar outras idéias. Pouco a pouco os cristãos e suas idéias ambiciosas chegaram ao coração do rei e ele se transformou..
De repente os antigos rituais não eram mais respeitados, as sacerdotisas não eram mais consultadas, a força da Deusa não era mais cultuada. Um Deus único e solteiro se impôs entre os seguidores de Arthur, e sinceramente eu não sei dizer como aconteceu.
Uma noite, ele me expulsou. Disse que voltasse à floresta, às bruxas de sua irmã, que não era mais bem-vinda ali. Eu fui.
Nitidamente, lembro da minha capa escura, do meu capuz que cobria meus longos cabelos, e meus olhos avistando os de Guinevere, ao longe, em alguma janela do castelo. Eu sabia que era ela. Eu sabia que ela cumpria seu dever – as senhoras políticas nunca abandonavam seus senhores. A intenção de suas vidas era honrá-los e suportá-los, em todos os momentos e decisões – e ela honrou.
As Sacerdotisas não eram como as Senhoras políticas. Elas eram livres e fortes, senhoras do seu destino. Tinham acesso às doutrinas de cura e prosperidade, andavam através do tempo para aprender os mistérios. Mas não tinham família. Era o preço a pagar por tanta independência no mundo dos homens.
Seus filhos sagrados eram concebidos em rituais de união entre as sacerdotisas e os escolhidos, com o mais puro amor que seus corações podiam irradiar. Eles recebiam toda a energia do legado do Amor e da Consciência Maior, mas não eram deuses, eram humanos, e precisavam galgar por si só, o longo caminho da sabedoria por todos os seus dias e noites de vida, muitas vezes longe dos seus pais.
Os últimos anos haviam sido perturbadores, entretanto. Os escolhidos questionavam seus postos, procuravam idéias novas e muitos esqueceram de suas missões.
Em um mundo em colapso, Arthur foi esperado como nenhum outro. Vindo das duas vertentes do sangue sagrado, ele cumpriria a tarefa de reorganizar a Grande família e trazer novamente a fé para dentro dos corações perturbados por tudo que parecia ruir ao nosso redor.
Como era o costume, para que a linhagem seguisse seu curso, o Ungido participou do Grande ritual com a Sacerdotisa Maior e Modred foi concebido. Mas nada disso afastou as profecias escuras.
Eu sei que Guinevere aprendeu a respeitar todos estes ensinamentos e a nossa amizade. Eu sei que ela sofreu com tudo que presenciou. Mas ela ficou.
Quando voltei, Morgana ficou furiosa. Disse que renegava Arthur e tudo que viria com suas ações. Entregou Modred para que os druidas o educassem e jurou que nunca mais ele veria o pai.
Depois disso, tudo o que aconteceu foi desgraça. Todo o reino foi invadido e desrespeitado pelas idéias daqueles que eram contra a Deusa e o Deus. Modred defendeu o Sagrado de sua gente e morreu no mesmo campo de batalha onde seu pai caiu por ter questionado de alguma forma o mesmo sagrado.
Mesmo sabendo que tudo é como deve ser, podia sentir que Morgana sofria. Eu não posso ler pensamentos como ela, mas meu dom sempre foi ler corações. Ela sofria muito.
Todas nós envolvemos os guerreiros nos tecidos sagrados, um a um, entoando os mantras de abertura dos portais das brumas.
- Eu sei que não entende; às vezes, eu também não. Mas tudo foi como deveria, não vê? Tentamos guardar o sangue sagrado a todo custo, mas a Grande Família se extingue aqui.
- Como será agora, Senhora? É o fim da grande descendência. Como os escolhidos saberão quem são, se não forem mais concebidos dentro do ritual sagrado da união do deus e da deusa e não tiverem o sangue sagrado vibrando nas suas veias? Quem poderá levar adiante o que foi ofertado e guardado dentro de tantas moradas, por tantos anos, e defendido com tantas vidas, se não se sabe quem é ao nascer?
- O Universo é mágico, minha irmã. – Morgana tinha um estranho e vibrante olhar neste momento. – De alguma forma, os escolhidos continuarão nascendo. Aqui, ou distante de nós. Senão pelo sangue, se reconhecerão pela alma, que é imortal. Esta é a que importa. Deveríamos ter visto isso antes – todo o esforço em preservar o sangue sagrado foi em vão. Estávamos erradas. A ordem da linhagem é maior do que podemos perceber e controlar, está acima de nossas ações e se estende por véus que ainda não dominamos. A Deusa pode esperar pacientemente, mas nunca abandonará seus amados filhos e filhas.
Ela então se calou. Para sempre naquela vida.
Eu não pude entender muito bem. Para mim parecia impossível reconhecer os Ungidos se a linhagem de sangue não fosse mais respeitada e continuada. Morgana parecia estar ouvindo coisas que eu não podia compreender.
Fomos todas nós, juntas, floresta adentro, para o ritual de passagem. Todos os guerreiros foram levados, todos que eram sagrados de nascimento, não importava suas escolhas ou erros – assim como ordenara nossa Senhora.
Foi a última vez que qualquer humano pode nos ver. Morgana disse que ali se acabava uma era, e outras se iniciariam. Ela se isolou na floresta para sempre, enterrando consigo o resto daquela história. Fomos todas com ela, como juramos, até o final.


Até hoje vejo a floresta envolta em uma névoa fria e profunda. Muitas pessoas tem dificuldade de enxergar ou respirar perto dali. Isso nos deu o que precisamos, por muito tempo: silêncio e solidão. 
Silêncio e solidão. Estas palavras me soam ainda tão profundas, tão pessoais e tão verdadeiras!
Hoje me pergunto onde estaria Morgana, agora, quando posso compreender muito bem as suas palavras.
Hoje, quando todos os segredos estão sendo revelados, quando a grande Igreja perde aos poucos o domínio sobre a verdade. 
Não precisamos de Linhagens sagradas, nem de famílias reais. Tudo o que é relacionado ao poder foi deturpado e é muito difícil cumprir missões sagradas com sangue real. O que antes era o passaporte para o respeito e reconhecimento, hoje significa perigo e desconfiança. Todos os seres reais são visados, muitos nem ao menos conseguiram viver o suficiente para cumprir parte de suas missões.
Com certeza, os ungidos não nasceram mais dentro das linhagens reais, salvo talvez pouquíssimas exceções. Eles nasceram com outro sangue, com outras idéias, outras roupagens, em situações que permitissem liberdade de idéias e de ações. Foram talvez poetas, escritores, cientistas, filósofos, pensadores – ou até religiosos. Quem sabe o que são hoje? A pessoa ao nosso lado na fila do banco?
Fazer parte desta história muitas vezes não é nada romântico ou lírico. É triste, duro e forte demais para cada alma presente. A tristeza e o fracasso plantados naqueles dias levaram muito tempo para serem lavados de cada espírito envolvido. E todos decidiram promover, séculos depois, o resgate do sagrado. 

 A história do Graal não morava ali, na linhagem sagrada. Algo mais importante vem a tona nestes dias que virão, eu sinto, e por isso me pergunto onde estaria Morgana hoje.


"Dentro de você... Estou dentro de você. Minha força é sua força, minha certeza é sua certeza. Algo maravilhoso está nascendo e todas nós poderemos enfim sair das brumas. Nunca pertencemos a elas. Elas apenas nos protegeram na época do medo. Na verdade somos luz, calor e alegria. Temos o direito à beleza da vida e a manifestar a nossa sabedoria sem culpa. Busque o amor como busca o ar que respira. Acorde seu corpo com a mesma força com que buscam poder neste mundo dos homens. Ele é sagrado. Vibre, acredite, se exponha, fale, ouse. É o momento do avesso. Quem muito falou irá se calar. E finalmente o silêncio da mente terá seu valor na música da alma. E nossas palavras serão ouvidas. Eu estou aqui. Não me deixe esperar muito para respirar novamente..."
É muito bom tê-la de volta -  pensei calmamente. Seja bem-vinda, então, minha velha irmã.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Depois do Vazio

Tudo no seu lugar. É a sensação que o ar parece me trazer agora.
Por muito tempo eu temi o abismo da vida. O momento crucial onde a fé no desconhecido toma inteiramente nosso ser, o momento onde nada mais pode ser controlado ou compreendido, o momento onde tudo se torna simplesmente nada. Eu resisti a ele até o fim. Mas será que existe mesmo um fim, um nada lá na última curva?
Uma parte de mim começa a ter certeza de que tudo não passa de um irônico embuste, uma pegadinha da vida como o bicho papão. O fim é o bicho-papão da humanidade. Bicho grande e poderoso, papa tudo o que vê pela frente, sem deixar nada ao redor. Ou melhor, deixando apenas o nada ao seu redor. E o nada é pior que qualquer coisa deste mundo.
Criamos, dentro do nosso desespero, a arma mais poderosa contra o tal bicho: o famigerado apego. Afinal, como reagir ao que te tira tudo, senão agarrando aquilo que puder para salvar?
Pessoalmente sempre achei até a dor uma melhor escolha que o vazio. Doendo, sabemos que existimos, que fizemos, que reinamos em algum momento. Ela tem memória. Ela faz história, de alguma forma, mesmo que torta. Ao contrário do vazio, tão frio, taciturno e prepotente. Sem respeito. É desesperador encará-lo.
Mas o mundo nos empurra para o abismo, não adianta desviar. Parece aqueles filmes de ficção onde se entra por qualquer porta e se cai sempre no mesmo lugar. Ele vai te encontrar. Uma hora, você vai pular, você vai ter que encarar, se ainda não o fez.
Alguns fazem isso por sabedoria e iluminação. Eu os invejo. Sou humana e emocional ao extremo para escolher este caminho, infelizmente. O que me empurrou foi a bendita. A dor.
Quando não tem mais saída, quando você não pode mais suportar, ou acha que já perdeu tudo que podia e não pode mais voltar, você pula. Ou se joga de olhos fechados, como fiz.
Fui precisando abandonar muita coisa na estrada. Coisas especiais que me davam estrutura e me lembravam de quem sou. Profissão. Amigos. Lugares. Amores. Poder financeiro. Família. Vi tudo se desintegrar aos poucos, e fui caminhando, no melhor estilo "tem que iluminar". Doeu bastante.
Mas havia sempre um alicerce. Um tronco forte e poderoso que me ligava ao mundo, à matéria, à vida, de uma forma incontestável e querida. Foi o último que se foi. Abandonou-me sem aviso prévio, desiludindo as últimas das minhas ilusões. Lógico que foi ele que me abandonou. Eu nunca o abandonaria em perfeito juízo, por livre vontade. Sou humana. Sou apegada.
Perder este tronco foi o final do abismo. Quando ele me foi tirado, quando se partiu, não pude mais evitar. Não havia mais caminhos então, apenas o abismo à frente. Segurei o maior tempo que pude, mas tive que pular.
Doeu muito (quem me acompanha por aqui, sabe do que falo). Caí, caí, caí por meses, sem avistar o fim. E quando o encontrei, levei mais meses para abrir o olhos e encarar onde cheguei.
Nestes últimos dias o Universo me deu energia extra para encarar. Esperei paciente o momento propício, mesmo indo contra a idéia sensata do mundo ao redor que me pedia que levantasse. Não era a hora ainda. Agora, acredito que seja.
Pois bem, surpresa. Não havia vazio algum. Era tudo uma grande farsa.
Toda a humanidade se apega para evitar o vazio. Ele nos ronda desde que nos desligamos do Cosmo e passamos a criar nossas próprias teorias idiotas sobre a vida. Ignoramos os ciclos da vida e até plana a Terra ficou! E havia um horrível nada no seu fim. O fim do mundo.
Desde que nos desligamos das culturas que se integram ao Todo, criamos histórias de monstros e de apocalipses. Desde que negamos a rotina cíclica da vida e passamos a viver um tempo linear, até a morte física passou a ser um fim, outro vazio, para muitos. Que ser dotado de raciocínio não temeria nestas condições? E temendo, quem não se apegaria às próprias histórias, ás próprias dores, como uma criança agarrada à saia da sua mãe?
Quando era criança assisti a um filme que encantou a todos da minha geração, se chamava "História sem Fim". O vilão de tudo era o horrível "Nada". Ele engolia tudo pela frente e deixava um escuro vazio em seu lugar. Era a personificação do medo real de cada um de nós.
Todo mundo tem medo de deixar de existir. Afinal, ser nós mesmos é nosso maior tesouro. Nos agarramos no que temos, no que fazemos. Depois iluminamos um pouco, e nos agarramos no que somos. Mas, e depois? E se iluminar signifique abandonar a idéia que temos disso também?
Quando enfrentei meu "nada", quando caí e abri meus olhos, eu percebi que eu ainda existia. Tudo doía imensamente, eu estava um caco, mas ainda era eu mesma. Isso é óbvio, você pode dizer, afinal a vida é cíclica! Mas duvido que não exista nada em que se apegue, um sonho ou uma realidade, ou a ideia de ser quem é.
O fim dos ciclos descascam nossas camadas mais externas, pois sem elas não pulamos de fase. São pesadas demais para sobreviver ás novas experiências. Mas depois disso, o que existe é apenas a continuação.
Hoje percebo que superestimei o abismo. Imaginei que ele me traria enormes presentes para compensar tudo o que tive que deixar. Imaginei o paraíso perdido, a recompensa dos humildes e honestos, o reino dos céus. Eu ainda tinha uma ponta da tal cultura arcaica escondida dentro de mim. Era puro engano meu. Ele só trouxe uma nova estrada para seguir. Só isso.
Talvez ela seja mais leve que a antiga, talvez eu ame mais e sofra menos para atravessá-la (assim espero!). Mas isso não foi a melhor parte.
A parte mais incrível é que não existe o vazio. O lugar da minha alma onde moravam todas as coisas que eu  tive que largar não ficou vazio. Ele ainda as contém, inteiras, perfeitas, intactas. Eu não perdi nada! A única diferença é que deixaram de doer tanto. E acredito que um dia, até esta última dor fininha irá embora. E mais amor irá entrar.
Nos perdendo da Sabedoria Universal e nos focando em construir uma sabedoria humana, demos muitas voltas cegas para chegar ao ponto. Mas valeu a pena. Saber de algo que alguém superior nos diz é uma coisa. Desbravar as trevas da ignorância e encontrar as respostas por si só não tem preço. Ou melhor, tem sim, e alto. Mas vale a pena pagar, pois nada mais pode tirar a paz que a conquista traz com ela.
Aliás, era o que me diziam. "Depois do desapego, há apenas a paz". Era verdade. Mas como todo ser humano eu precisei sofrer para crer. Pois é.

 Saí da ilusão coletiva que criou nossa cultura e as religiões, o tal medo do fim. Isso é bom. Tudo no seu lugar agora.
A chuva lá fora lava minha alma a cada dia, desde então.
Acabou? Claro que não. Afinal, uma coisa é encontrar a Paz. Outra, bem mais complexa, é reencontrar a alegria.
Mas isso fica para outra hora. Uma coisa de cada vez.




segunda-feira, 4 de junho de 2012

Aurora



A cada manhã penso poder renascer,
secar minhas lágrimas com o orvalho que evapora,
e exalar a bela aurora,
com os sonhos que tento esconder.
A brisa gelada que o dia carrega
poderia ser a magia dos sonhos adormecidos,
que cansaço ás vezes entrega
aos momentos sem querer não vividos
que tento em vão esquecer
A cada manhã sonho encontrar
dentro de mim
um belo e exuberante jardim
a me encantar
Eu danço com os primeiros cantos 
dos belos pássaros que viajam no meu sonhar
Existe um "quê" de magia
na natureza ao acordar,
quando a noite de despede e beija o dia,
quando se pode ver o que antes só se sentia,
diante do misterioso luar.
Enebria o encantamento
de se acreditar
que em um ínfimo momento 
luz e sombra possam se beijar

O encontro provoca a emoção
do impossível que acontece,
do escuro que ilumina, 
onde o todo se enaltece.
Mas a aurora em momentos se finda,
como todo êxtase permitido,
e minha vontade tão linda,
dá lugar ao ser que compreende,  redimido.

São dois, lua e sol separados,
que, para ao mesmo tempo serem amados,
terão que esperar, resignados,
até o próximo belo momento,
quando a Grande Mãe em movimento,
verterá na exuberante fauna e flora,
outra inesquecível aurora,
unindo os opostos, complementando,
casando o que se foi e o que será, criando,
o que é somente e simplesmente,
o tão desafiante agora.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Pura roda da vida



Eu amava, mas sentia um medo enorme de perder a sensação de êxtase e de alegria que o amor traz. Não fazia sentido tal medo, mas ele sempre me voltava ao coração, principalmente quando ele me olhava fixamente nos olhos. Era muito bom, mas doía. Por que eu sentia tal dor?
Um dia, quando estávamos fazendo amor, ele me olhou nos olhos fixamente e disse que me amava. Uma pontada forte surgiu no meu peito, meus olhos se encheram de lágrimas e de repente eu sabia a resposta. Uma reviravolta se fez na minha mente em um segundo, e tudo fez sentido para mim.
Lembrei de uma vivência que tive, anos antes de conhecê-lo, que me trouxe a lembrança de vidas antigas.
Naquele dia, enquanto eu respirava e tentava esquecer meu corpo para sentir meu espírito, eu senti que flutuava, que estava em dois lugares ao mesmo tempo. Uma música com melodia árabe ficava cada vez mais forte, e sem dar tempo para entendimento algum, minha mente me arrebatou.
Era só areia e céu, mais nada. Eu estava na garupa de um cavalo branco, em pleno deserto escaldante, com um homem à minha frente, que conduzia o animal. Eu podia sentir meu corpo chacoalhar ritmado com as passadas do cavalo, e o roçar do corpo do homem que o conduzia, de quem eu parecia sentir uma enorme aversão. Estávamos em caravana, cerca de vinte cavalos, mas não era muito importante para mim o destino que buscávamos.
Percebi nitidamente que eu era escrava, não podia escolher o meu destino. Estava presa àqueles homens que desprezavam e sentia minha vida repugnante e vazia. Uma enorme amargura permeava minha alma, mas o sentimento que realmente tomava conta do meu ser era uma dura e descomunal raiva. Meu ódio era tão grande que senti que poderia matar todos aqueles homens com minhas próprias mãos se tivesse oportunidade. Mas parecia que minha rebeldia os divertia ainda mais.
Os homens cavalgavam falando alto e rindo, enquanto eu, em silêncio, fechava meus olhos e apertava o pingente que carregava no cordão do meu pescoço. No fundo da minha alma eu pedia fervorosamente que alguma coisa acontecesse como um milagre, e me tirasse dali.
Talvez aquele fosse o meu dia de sorte. De repente o horizonte mudou, e uma tempestade de areia chegou sem aviso algum, surpreendendo animais e homens. Os cavalos se assustaram, e a marcha não pôde ser controlada pelos homens irritados. A areia levantava do chão, parecia vir de todos os lados,e logo nada mais podia ser visto.
Uma emoção forte tomou conta de mim. Era o meu momento! Eram os deuses do vento atendendo minhas súplicas, finalmente! Em segundos, agradeci aos céus e pulei do cavalo, escapando do homem que me segurava. Contei com a confusão que se fazia, todos gritavam tentando segurar as cargas, e esbarravam uns nos outros sem saber o que fazer ou para onde ir. E eu comecei a correr.
Eu corria muito, muito rápido, sempre na mesma direção, sem soltar meu amuleto contra o peito. Algo me guiava e eu sabia que precisava ir o mais longe possível de tudo aquilo.
Não sei quanto tempo consegui correr sem parar, sem olhar para trás. A tempestade estava longe, eu já nem sentia mais o vento, mas eu não ousava olhar um segundo para trás. Segui adiante.
O sol forte foi enfraquecendo seu brilho, e depois começou a se pôr. Eu continuei correndo o quanto pude. A única coisa que me movia era fugir, fugir, e nunca mais parar de fugir. Exausta, andei por várias horas, rastejei alguns metros, e finalmente, caí, sem sentidos, com a visão do fim da tarde à minha frente.
Não sei quanto tempo passei desacordada. Lembro de ouvir alguns passos de cavalo perto de mim e tentar me levantar. Mas meu corpo não respondia, estava paralisado e tomado por muita dor.
Com muito esforço, abri um pouco os olhos ao mesmo tempo que fechava a alma. Já imaginava aqueles homens horríveis na minha frente e um verdadeiro desespero cresceu em mim. Dei-me por vencida, e a única coisa em que pensava era que a morte me parecia uma bênção naquele momento.
Foi quando o vi. Ele vestia uma túnica negra e um tecido da mesma cor cobria todo o seu rosto, menos os olhos. Belos e profundos olhos esverdeados...
Aqueles olhos me trouxeram uma paz sem explicação e eu não pude ter reação alguma enquanto ele me carregava e me colocava sobre seu cavalo. Acho que me entreguei meu corpo ao cansaço, enquanto sentia o belo homem atrás de mim.
Chegamos a uma pequena tenda erguida no meio do nada. Não podia ver mais ninguém além de nós no lugar. Rastejei no chão, arredia, fugindo do seu alcance. Ele me ofereceu água e algumas frutas, sem pronunciar palavra alguma.Desconfiada, esperei que ele colocasse tudo no chão e depois se afastasse, me permitindo pegar a comida com a uma distância que me deixasse segura.
Ele sentou no chão, no canto oposto da tenda e ficou me olhando comer, em silêncio, com os olhos fixos em mim. Tentei ficar alerta, mas, muito cansada, caí em um sono profundo depois de comer.
Quando acordei, ele estava de pé, me olhando. Chegou perto de mim bem devagarinho, com cuidado, espantando aos poucos minha rebeldia.
Eu não sei explicar ao certo como aconteceu, mas o que se seguiu foi um belo encontro de duas almas através do calor de seus corpos. Olhando nos olhos dele, todo o meu medo se foi. Eu senti cada carinho, cada gesto, cada toque, como um bálsamo para minhas feridas abertas, tanto no corpo, como no coração. Senti o olhar dele gravado na minha alma e tive certeza de que nunca mais esqueceria aquele olhar...
Fizemos amor várias vezes, eu parecia sonhar, até que nossos corpos cansados adormeceram um ao lado do outro.
Acordei refeita, na plenitude do milagre que o amor pode trazer. Contemplei o belo homem, adormecido ainda, no chão. Eu sentia uma imensa alegria dentro de mim. Era como se toda a minha vida tivesse, finalmente, um sentido.
Eu não sentia mais raiva. Eu não sentia mais tristeza. Eu não desejava mais morrer. Eu havia acabado de conhecer um sentimento maior e mais poderoso do que o ódio que desde sempre tomara conta de mim e guiara a minha vida até então.
Saí da tenda até um pequeno barril de água que ficava no lado de fora, e fui lavar meu rosto, agradecendo aos Deuses dos ventos que haviam me guiado até minha salvação. Eu apenas havia pedido liberdade, e fui abençoada com algo mil vezes mais valioso.
Estava tão absorta, de olhos fechados, entregue às minhas orações, que nem o percebi. O homem corpulento saiu de trás da tenda, ainda montado em seu cavalo, e me agarrou, segurando violentamente os meus cabelos. Nem consegui gritar. Apenas senti uma dor aguda vinda das minhas costas, onde um punhal foi enfiado sem piedade alguma.
Ele ria ruidosamente quando olhou para os olhos desesperados do homem que saía surpreso da tenda.
Resisti à dor, o mais que pude, para olhá-lo novamente, enquanto meu corpo caía, desfalecido. Ele correu até mim, desesperado, enquanto o homem nem ao menos olhou para trás e saiu a galope, com o ar de dever cumprido.
Eu senti meu corpo enfraquecendo rapidamente, e vi tudo escurecer. Lembro que logo após a escuridão vi o mesmo corpo, ao meu lado, já não mais guardando a minha alma. Observei o belo homem carregá-lo para dentro da tenda sem dizer uma só palavra.
Meu espírito doía intensamente, e eu chorava muito. Minha alma recém saída da vida estava muito desesperada, gritando dentro de sua enorme dor.
Por quê? Por que não me deixaram morrer antes de tudo o que acabara de viver, quando a morte era o que eu mais queria? Por que me deixaram vê-lo, senti-lo, para depois partir? Agora, partir doía imensamente. Antes, seria minha maior alegria. A dor era tanta, que a visão foi se perdendo da minha mente.
Minha consciência se voltou para dentro de si mesma, recobrando meus sentidos. Respirava ofegante para conter a dor no meu peito, enquanto tentava me equilibrar.
Voltando da visão, senti como meu espírito havia se revoltado muito com aquela morte. De alguma forma eu sabia que ele demorara muito para aceitar o que eu naturalmente havia entendido ali, naquela vivência tão nítida.
Não foi um castigo. Aquele homem havia me salvado. Não da tempestade, mas de mim mesma. Se a morte que eu tanto desejava me acometesse antes de conhecê-lo, tudo o que minha alma carregaria seria ódio e revolta quando partisse. Mas não foi assim que aconteceu.
Naquele pequeno, lindo e verdadeiro momento, meu belo homem plantou dentro da minha alma, horas antes de minha passagem, um eterno e profundo sentimento de amor. Por causa deste amor, novas portas puderam se abrir. Por causa deste amor, minha vida espiritual tomara outro sentido depois da minha partida. Foi uma bênção que mereci, e não um castigo como me pareceu naquele momento tão duro.
Voltei da visão com uma dor profunda no peito. Acho que assustei minhas amigas de meditação, pois todas olhavam espantadas para meus olhos vermelhos e inchados. Eu havia chorado durante quase todo o tempo, realmente.
Foi tudo muito forte, e guardei para sempre comigo. Nunca mais me esqueci dos olhos daquele homem.
Agora, muito tempo depois, ali estava eu, escutando uma declaração de amor do homem me amava. E em um relance apenas, reconheci seu olhar. Eu olhava para aquele mesmo olhar. Agora, ali estava eu, fazendo amor com o mesmo homem cuja alma me trouxe uma pequena, mas tão importante dose de amor em um passado tão distante.
Ele me dizia que me amava e me olhava, sem entender meus minutos de silêncio, alheio ao turbilhão que se passava dentro de mim.
Finalmente abri os olhos, e olhei nos olhos dele, mas não consegui responder sua declaração de amor. Era muito forte o que eu sentia diante daquele olhar. Se antes eu já o amava profundamente, agora ele me parecia mágico, encantado, quase irreal.
Eu entendi porque sentia tanto medo de perdê-lo e porque seu olhar me falava tão fundo à alma. Porque meu medo surgia exatamente nos momentos em que ele me fazia mais feliz, e porque eu sempre sentia que o mundo poderia ruir a qualquer sentimento de prazer e alegria.

Pensei que, se a cada dia ainda busco uma parte de mim, se ainda me pergunto se faço tudo o que me comprometi a fazer nesta vida,  se ainda não sei a causa de todas as dores, se não sei o que me faz repetir alguns padrões de erro, vida após vida, acumulando problemas a resolver e a consertar, se não sei o que será de mim amanhã, hoje eu sabia a verdade mais valiosa que poderia pousar na minha alma.
Naquele momento eu tive a maior certeza do mundo de que existe mesmo uma mágica por trás disto tudo que vivemos, administrando as dores, as culpas, os medos, as certezas e as dúvidas. Uma mágica que não permite que se cometa apenas os mesmos erros, mas que também faz os momentos mais belos da nossa existência se repetirem, se atraírem, iluminando todo o resto.
O que poderia mais fazer naquela iluminada noite? Suspirei profundamente, soltando amor e gratidão com o ar que respirava. Deitei minha cabeça no peito forte do meu amor, e muito, muito feliz, fechei meus olhos.
E agradeci em silêncio àquela bela mágica que, depois de tanta dor e desilusão, permitiu que eu tivesse o calor daquele momento, a paz no meu coração, e os meus belos olhos verdes, finalmente, de volta para mim.
Pura roda da vida.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Memórias



Diante da bela visão da minha montanha de quartzo rosa que avisto da minha varanda, eu solto um pouco minha alma e ecôo pelos ventos minha simples pergunta. "Para que isso tudo, afinal?"
Eu tento, mas não posso evitar. Cada quadro me vem à mente, claro e detalhado, e eu me permito um momento de devaneio me perguntando para onde se foram cada uma de todas as vidas que ainda posso me lembrar.
Onde está o destino de tantas lutas, de tantas mortes prematuras? Cada fogueira, cada batalha, cada forca, cada prisão? Todas as certezas defendidas com tanta honra e respeito, cada amor desfeito em prol de algo sempre maior?
Eu as sinto todas dentro de mim, vívidas e claras, às vezes mais do que poderia desejar, mas procuro em vão o seu destino.
Os dias de descoberta na Lemúria, a perda da pátria, os séculos de escuridão e desassossego. O emergir, o entender, o aceitar e o abrir.
As areias do deserto, a vida nômade falando com o vento e descobrindo o caminho que a água falava. A dignidade dos oráculos da Mãe, a beleza do amor divino no seio da Deusa Sagrada.
A violação do sagrado, a corrupção dos valores, e a revolta interna que somente a dor insuportável pode criar. A perda, a luta, a culpa. Mais dor.
Para que tanta dor?
O Salvador, a esperança, o Seu perdão. Uma nova caminhada, então. Os passos da Grande Senhora e Seu Caminho. Uma nova direção a seguir.
As brumas das sacerdotisas de Avalon que insistiram em desacreditar, por puro medo dos mistérios que podiam carregar. A distorção dos fatos sagrados. A esperança na linhagem sagrada que simplesmente se corrompeu, e nada mais poderia oferecer. A promessa da guarda dos mistérios. A esperança da libertação de cada um deles. Um dia.
Mortes por ver a verdade, por não poder negá-la. Mortes pelo poder que a Mãe concede a cada uma que se ampara na Sua Luz. Mortes por justiça. Mortes, mortes, mortes. Tantas, que não consigo contar.
Despedidas de tantos olhos contendo uma promessa de amor. Vidas em solidão. Fé no que não se pode explicar.
Hoje, nestes tempos esperados, diante de tantos terremotos nos mesmos lugares onde minha dor foi sepultada, sinto que algo sai com a terra remexida, e não sei dizer se é bom. Mas deve ser.
Sinto um cansaço sem explicação, fisicamente falando. Tenho tanto sono, quero sempre dormir.
Uma longa estrada vivida, tantos sacrifícios, tantas perdas. Quando acabara? E onde, afinal?
Meu amigo Madureira diria que sempre se pode escolher a saída pelo lado esquerdo de qualquer lugar. Bom conselho, sempre preferi o esquerdo de qualquer coisa, mesmo. Minha irmã, amante fiel da vida, me diria que tudo é uma grande história digna de um final feliz - ela sempre acredita que um final feliz está sempre prestes a chegar. Posso ver minha querida tia Edna sorrir aquele sorriso irônico de quando queria mesmo era chorar, e me dizer "Pois é... quem merece esta vida neste mundo todo louco?". Minha amiga de alma Cristina soltaria uma risada nervosa e diria "É isso aí, Remarajane (é assim mesmo que ela me chama, não é erro de digitação), não adianta chorar. Força na peruca e equilibra no salto alto que a festa já já vai começar!". Meu querido Jamil diria simplesmente "Esquece, tudo isso já passou." Eu os amo tanto, todos eles. Mas infelizmente, ainda não passou. Algo ainda ecoa na minha alma e não faço idéia de como sairá.
Meus amigos cavaleiros me cercam e minha alma deseja chorar. "Para onde, meus amigos, para onde vamos agora?"
Eles não respondem, respeitosos em suas poses de protetores eternos.
Muitos aparecem, aos poucos, sem resposta. Talvez eu mesma não queira que respondam. Apenas que fiquem comigo.
Tudo para estar aqui, exatamente aqui, hoje. Tudo. Esperei tanto por este momento, desejei os dias em que os mistérios lacrados fossem enfim revelados. Achei que me trariam paz.
Tantas vidas, tantas batalhas. Cada palavra guardada e repetida por gerações para não se perder. Para que afinal?
O mundo continua nublado, mas sinto agradecida, que algumas belas luzes se fazem ver. Não discordo que muita coisa mudou. Eu mesma acredito que nesta vida não serei queimada ou presa por ser quem sou, e acreditar no que acredito, e ver o que vejo - isso é visivelmente um progresso! Agora posso ser apenas louca, mas não uma ameaça (pensando bem, será isso mesmo um progresso?).
Depois de tanto vivido, sinto um desejo profundo de descansar. Muito mesmo. Não quero mais batalhas, nem lutas, nem perdas. Eu me cansei de todas elas. Eu simplesmente gostaria de viver.
Mas para onde? Quando anunciarão o final das perdas? Quando será realmente o fim da busca e o início do encontro?
"A resposta está sempre dentro de nós." É o que diriam os Mestres. "Voe, ser azul, voe, o mais alto que puder voar". Lembro a cada dia das palavras do belo anjo Ei-Lah, a cada vez que eu dizia que eu não podia, que não sabia para onde ir.
Voar. É o que procuro fazer há anos. Deus sabe como procuro. Já dei alguns rasantes, admito. Mas voar mesmo, assim, com magnitude e liberdade, continua sendo uma busca.
Diante da minha bela montanha, percebo que ela é a que mais me segura em pé. Ancora meu ser, doa sua força, sem nada cobrar. É minha relação mais produtiva atualmente - não posso deixar de rir ao perceber o quanto dramática é esta afirmação, ainda que verdadeira...
O que a Humanidade ainda precisa, ainda espera de pessoas como eu? O que as pessoas que amo, que convivo, que acreditam, pensariam de mim neste momento?
A montanha não responde. Assiste, abnegada, e me manda doces raios cor-de-rosa que se unem à minha aura confusa. Acalma.
Os anjos, os índios, as belas sacerdotisas, todos se unem aos calados e bravos cavaleiros.
Apesar de tudo, parecem tão calmos que me acalmam. É tudo uma questão de tempo e vontade.
Fico, então. E espero o momento certo. É o que mais aprendi a fazer.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Desistir...


A sobrevivência é algo sórdido às vezes. Estrangula a imaginação.
Para existir, desista, parecem me dizer os ventos frios de Outono que me chegam ao rosto, me despertando do transe.
Desista do que queria. Desista de entender. Desista de saber. Desista de poder. Desista, desista, desista.
Assisti ali, sentada na praia da minha vida, cada onda levar lentamente, um pedaço de mim. Uma após a outra, engoliam um pedaço da minha história, apagavam meus sonhos escritos na areia, ruíam os castelos tão frágeis sobre os quais ergui minhas certezas.
Elas se iam tranquilas, como se não percebessem o estrago que faziam. Deixavam a areia lisa, sem marcas, sem história para contar.
Tudo se foi. Parece que nada mais ficou. No final, As histórias só sobraram dentro de mim. Ali, as ondas não puderam alcançar. Infelizmente. (Ou não?)
Esperei um milagre, desejei o que pude. No início tentei controlar. Entrei e saí da alma tantas vezes quanto me foram dadas as chances através dos dias. Mergulhei nas lágrimas não resolvidas, em descobertas não vividas, em detalhes de vida que desconhecia, mas que poderiam ser minha salvação.
Eu quis reagir, eu quis lutar.Não havia nada a fazer, entretanto. Desisti.
No final, fiquei exausta, ali, sentada, olhando o pôr-do-sol alaranjado dos dias que terminam, e observando no horizonte a sua união com o mar das emoções que nunca se findam, nem se acalmam. Indo e vindo, trazendo e levando. Impondo a vida do jeito que ela é, desprezando o que a alma pediu. Ou o que o coração ardentemente, desejou.
Nada mudou. Ou melhor, tudo continuou mudando, ininterruptamente. Mas nada na direção em que meus olhos olhavam com tanto ardor. Então os fechei. Foi melhor assim.
O desapego é louvável. Mas gostaria que ele se desapegasse de mim um pouco. Que fosse pousar na praia da vida de outra pessoa, para variar.
Desista, desista, desista. Sobrevivo então. Afinal, o que nos resta depois do tal desapego? 
Fechei apertadamente meus olhos, com um medo infantil de descobrir. O que há depois dos sonhos que se foram? O que existe depois das lágrimas que secaram e lavaram sua alma? Qual será o rosto do completamente desconhecido?
Eu poderia abrir meus olhos, eu poderia tentar. Mas tenho medo de perder o que guardei com eles fechados, e nunca mais me encontrar. O que será de mim sem tudo o que tanto amava?
Não, eu não deixei o desapego tomar conta de mim. As águas chegam aos meus pés, mas eu os encolho, me recolho para dentro de mim, como se pudesse fugir do destino. Não posso. Mas que remédio, parece doer tanto.
E se ele me esquecer, e se eu ficar bem quietinha?
O vento me diz que tudo ficará bem, que nada vai me ferir. "Ilusão, o sofrimento é pura ilusão!" ecoam pelos ares animados. "O fim do desapego é a paz."
Não sei. Continuo apenas escutando as ondas do mar. Elas não param, com seu ir e vir melancólico, ignorando meu desespero. O vento zuni, esfria minha pele, me chamando para acordar.
Eu não quero. Não estou pronta. Ainda não.

Paciência



Prometi que esperaria. Mas esperaria de verdade.
Prometi que viveria os dias redescobrindo a vida, minuto a minuto, sem julgar, projetar, sem expectativa alguma.
Prometi que veria o sol nascer e sorriria, que veria cada rosto à minha frente e prestaria atenção na sua alma, e receberia a sua mensagem. Prometi que seguiria os sinais do Universo a cada passo, que leria minhas direções em cada palavra que ouvisse, e nas batidas do meu coração.
Prometi que daria tempo para cada inspirar e expirar, que daria oportunidade para todo o meu corpo sentir o novo ar entrar antes de jogar fora o minuto passado e andar adiante. Prometi que leria o que me fizesse sorrir, que só guardaria o que me fizesse brilhar quando me lembrasse.
Prometi ver o entardecer com calma e gratidão, e deixar ir com o sol todo o dia passado. Prometi encontrar a noite com a alma branca como a lua, e abrir a mente para os mistérios ocultos nos sonhos. E só.
E no outro dia, esperaria um pouco mais.
Porque esperar é tão poético, sutil, tênue, tão frágil. Esperar não cria, não muda, não move. Mas às vezes protege, esclarece, resolve. Esperar explica. Ou complica. Mas às vezes não dá para ser fácil, afinal.
Esperar é a única forma de deixar a criação acontecer quando o que se pode, se finda. Esperar também é divino e belo. E requer coragem.
Eu entendi que nesta energia de quaresma, de introspecção, de questionamento, de testes e revalorização de conceitos, a melhor opção seria esperar. Esperar o que vem de fora, e ao mesmo tempo revolucionar o que mora dentro.
Prometi que esperaria, pois eu saberia quando a espera chegasse ao fim, se completasse.
Esperar o quê? Acredito que a vida. Uma nova vida. A vida que se renova na Páscoa, a vida que se renova quando o entendimento chega finalmente ao ápice, e se sente que se pode novamente realizar. Com o que sobrar. Ou talvez não possa sobrar. Talvez a tarefa seja criar o novo, a partir apenas do novo. Sem bagagem.
Eu prometi que não me prenderia à bagagem. Que esperaria sozinha, em essência pura e simples, mas inteira e renovada, de braços abertos, pronta para abraçar novamente. Porque o futuro vai ser digno de abraço.
Mesmo quando falo, sinto que ouço. Mesmo de olhos fechados, sinto que observo. Mesmo quando ando, sinto que espero.
Eu prometi que esperaria. Esperaria algo assim, tão bom, que precisa de tempo para chegar.
E saber disso me acalma quando penso em seguir.
E me faz continuar a esperar.

Amor



Eu conheci um amor nesta vida. Ou pensei ter encontrado.
Ele nasceu puro e infantil, cresceu, tomou corpo e acordou o espírito. Flutuou com minha alma por caminhos nunca conhecidos, libertou meus medos, sacudiu minhas convicções.
Por ele, deixei de lutar e passei a aceitar. Abri mão de estar certa sempre, concedi a palavra quando queria falar. Amansei a voz em vez de gritar. Por ele esperei, alimentei, insisti, esqueci, abri mão e até desisti. Ele entrou na minha alma devagar (ou terá sido em um terremoto?), transformou o que existia e me fez voltar a sonhar.
Voltei a prestar atenção no olhar, no tom de voz ou na cor da roupa. Lembrei do calor de um abraço fora de hora, de um ombro presente a cada momento, de dividir o cobertor, o sorvete, o carro, o problema, o canal da televisão, os planos da vida, o pacote de pipoca. Lembrei da sensação de abrir mão do que se quer e mesmo assim sentir o calor da felicidade atravessando a alma. Lembrei da sensação de receber, de repente, um olhar apaixonado, uma blusa no frio, um abraço no desânimo, ou de ter sempre um beijo no final do dia, ou um pé encontrando o meu embaixo do edredom no inverno. Lembrei como é maravilhoso estender a mão, mesmo sem olhar para o lado, e sentir outra envolvê-la, sem mistério algum, e andar de mãos dadas, em uma simples calçada. Eu lembrei de como é bom viver a vida em parceria.
O amor envolveu minha alma, e eu simplesmente o tomei como parte de mim.
Mas não era bem assim, pois, um dia, ele se foi.
Assim como muitas coisas se vão, e outras permanecem para sempre, acho que alguns amores têm data para terminar, e outros (que inveja!) permanecem vivos por todas as estações da vida.
Porque amar não é viver sempre na primavera.
O meu amor nasceu em pleno verão, aquecido, forte, estrondoso e avassalador.
Passou por um outono cada vez mais frio e depois se perdeu em meses e meses (ou foram anos?) de um inverno muitas vezes cruel.
Acho que alguns invernos são mais cruéis que outros, afinal. Pois o meu foi longo. E devastador.
Os amores que sobrevivem ao inverno só percebem que ainda vivem quando sentem a neve derreter aos poucos e alcançam a visão tímida do sol (sim, porque mesmo aqui no Brasil, neva nos nossos caminhos e nos nossos corações, em várias fases da nossa vida). Estes sortudos e corajosos amores respiram então, aliviados, o ar fresco e esperançoso da Primavera que começa a nascer nas suas vidas. E em recompensa, a Mãe Natureza lhes dá novas flores, novas chances, novas e belas estradas a seguir. E um tórrido verão para comemorar a dedicação e tanta coragem!
Até chegar o outono brando... e a roda voltar a rodar. Com o tempo ele acostuma, e tira de letra as variações da paisagem e da temperatura. Isso se chama sabedoria. Até amor precisa disto.
O meu amor não pôde ver a primavera chegar. Ele adoeceu de frio, talvez não tenha aquecido o bastante o interior do seu ninho de inverno. Talvez não tenha fechado muito bem as portas e janelas, deixando o frio de fora entrar. Talvez o inverno tenha sido rigoroso demais. Ou o amor, ele mesmo, achando que seria eterno, tenha sido pouco precavido.
Não o escuto respirar (ou será que ouço ainda um tímido suspiro, querendo resistir? Não, acho que não...).
Poucos amores vêem novamente a esplendorosa primavera, pela segunda, ou terceira vez. Poucos se preparam, resistem para alcançá-la.
É preciso aquecer a alma no sol do verão, para resistir ao frio quando chegar (ele sempre vem...). É preciso acreditar, cuidar, para encontrar a luz do sol, novamente, no final de cada ciclo da vida. Mesmo porque não é a intenção que se viva apenas no frio do inverno. É preciso buscar sempre a próxima flor da nova estação, e se renovar na beleza que ela pode trazer. É disso que é feita a história de qualquer amor.
Eu conheci um amor nesta vida, mas ele não foi forte o bastante. Ele me arrebatou, me fez acreditar, envolveu minha fé, minha esperança, minha vontade, transformou minha história, e me deu todas as alegrias do mundo. E o vazio que ele deixa, ao ir, me faz lembrar porque resisti tanto a adotá-lo no meu coração.
E o que aprendi com ele, é que um amor assim, deste tamanho, sempre deixa cicatrizes muito profundas. Marcas que doem, que lembram como surgiram, talvez para nos alertar nos próximos verões em que os corações se permitem esquecer.
Eu não vou esquecer.


Algumas palavras...
A Roda da Vida. As estações. Mudanças, altos e baixos, criações e destruições, chegadas e despedidas. Isso é vida. E às vezes dói.
Não se é evoluído quando se sabe ser feliz sempre. Se evolui quando se consegue sorrir até quando sangra o coração, pois se acredita que tudo é como deve ser. E se espera a próxima primavera.
Momentos tristes são eternas fontes de auto-conhecimento. Os alegres são naturalmente projetados para fora, expandindo a aura e a visão, são para compartilhar.
E assim a roda gira. Para dentro, para fora, inspirando, expirando, pulsando vida a cada respirar.
O segredo está em não prender a respiração. Nem no triste, nem no alegre. Em qualquer um dos dois, pode matar...
Que a natureza nos guie. Como sempre.

Pedaços



Voar, voar, voar. Até cansar. Ou até cair.
Quem sabe.
E se cair, vai doer? Ou será que já doeu na viagem?
Sem sentir. Ou sentindo tanto que se perde na terminação nervosa em algum ponto.
Quem sabe.
Eu preciso saber.
Quando um pedaço seu é arrancado, e você continua respirando, então o pedaço não era realmente seu, afinal.
Quando seu mundo desaba e sobra apenas você, então o mundo não era realmente seu, afinal.
Ilusão. Sempre ela, confundindo, criando voltas em torno de coisa alguma, elegendo reis que nem ao menos merecem uma coroa.
Como saber se me iludo? Desiludindo? E não parecem ambas péssimas alternativas? Como duas coisas antagônicas podem ser igualmente ruins? Quem sofre mais, o iludido ou o desiludido?
Quem sabe.
Eu não sei.
Sem pedaço, sem mundo, sem ilusões.

O que resta deve ser essencialmente... o real!
Dureza esta coisa de realidade.
Dói quando se cai. Tanto que não se sente.
E aí, só resta ficar de pé.
Eu preciso saber. Mas ainda vou esperar um pouco mais.
Será que ainda tenho pés?

Tudo diferente de novo



É preciso se reinventar.
Ser outra pessoa, baseada em tudo em fomos e deixamos de ser.

É preciso abandonar idéias, verdades, mitos e certezas; é preciso mergulhar fundo no âmago do ser que sobra (quando puder achá-lo) e renascer. Simplesmente ser de novo, criar outro ser. Ou libertar o tal ser que ficava escondido atrás de todas as outras tralhas que acumulamos e cultuamos por séculos.

É preciso chegar até a ponta do abismo, é preciso olhar para ele de frente (ou não, deve ser mais prudente fechar os olhos...) e pular.

Talvez se jogar seja o termo mais apropriado. Ou se largar. Para encontrar.
Deve ser algo assim que fizemos quando resolvemos nascer de novo, abraçar uma nova empreitada neste mundo que nos acolhe hoje. Nós simplesmente, nos jogamos. E eis o novo feto pulsando vida depois da coragem inicial.

Mas não é tão simples na prática. Já tive certeza de não ser tão corajosa quanto um feto (aliás, o mesmo que um dia fui), ou menos impulsiva. Ou não podia fechar os olhos diante do desfiladeiro (quem poderia me julgar por isso?). Ou não sou quem achei que fosse. Quem sabe.

O fato é que eu existo. O desfiladeiro existe. E estamos em um impasse. Ele parece enorme e sem fim, mas prometia ser a grande descoberta da minha vida. Eu tremi e busquei dentro de mim algo que pudesse me equilibrar diante da visão perturbadora. Que remédio?

É preciso renascer, a partir das próprias cinzas. Mas eu não sei se já queimei tudo direitinho, até o fim, dentro de mim.

É preciso desapego. Mas minhas unhas se desgastam na última tentativa de segurar algo conhecido, que traga segurança, mas são vencidas. Para que segurança afinal? Estou tão cansada que é mais fácil deixar ir. Lutar não significa mais nada além de cicatrizes. E algumas decepções.

Então, mas por falta de alternativa que coragem, eu caio. Pronto. Eu fiz.

Espero tantas emoções controversas,
mas apenas flutuo. É melhor dizer que vôo, ao contrário de cair. Talvez seja mais lento com os apegados. Talvez os livres de espíritos simplesmente voam a jato para suas novas direções. Para mim, flutuar já basta.

Surpreendentemente não olho para trás. Nem para baixo. Acredito que não olho para lugar algum. Acho que apenas sinto meu peito e tento entender o que sinto. Medo? Entusiasmo? Ansiedade? Alegria? Saudades? Dúvida? Não, dúvida é a única coisa que sei que não sinto. Eu já havia esgotado todas as minhas possibilidades, esmigalhado todas as minhas tentativas de conquistar estabilidade e alegria onde estava. A única certeza era seguir em frente.

É preciso se reinventar. Juntar pedaços de alguém que já existiu - ou aqueles que sobraram desta pessoa - e misturar de novo, ver seus outros lados, procurar partes escondidas que não havia notado - ou dado importância. Ser de novo. Nascer.

Há quem diga que é simples. Eu pessoalmente acredito que nunca fizeram direito, pois se reinventar dói de uma forma monumental. Muito. Dentro e fora.

Senti com minúcia, cada parte. Coisas são perdidas, pessoas se despedem, ou se despem, e as despedimos. Coisas invisíveis ficam a mostra e não podemos ainda tocar. Às vezes desejamos não as termos visto... Mas estão lá, e não irão embora nunca mais. Apenas esperam pacientemente serem conquistadas.

O mundo muda, ou você o vê de uma forma incrivelmente diferente. Mas não sabe fazer nada com isso. E a dorzinha insiste em voltar. Respira! Você está caindo no precipício da nova vida! Você está se reinventando! Isto não deveria doer!

Disseram que seria lindo e profundo. Inspirador. Que abriria horizontes, mente e possibilidades. Que traria cor e perfume ao que ainda não podia ser visto, mas apenas sentido, antes da coragem fatal. Disseram que você seria plenamente feliz com a sua reinvenção.

Bom, é verdade. Eu sinto que é tudo verdade.

Talvez o problema sejam os meus pedaços. Talvez eu não consiga enxergá-los com clareza. Ou ainda não se encaixem pois faltam partes minhas a desvendar. Ou eu tenho uma imagem final criada que ainda não larguei na queda e me tira da estrada. Ou do prumo.

Pois é. Continuo caindo. Imagens vão se formando, e eu me despeço, logo após cumprimentá-las. Nada ainda ficou. Eu ainda não parei.

É preciso me reinventar. Eu sei.

Mas é ainda mais urgente acreditar, e não desistir de sonhar com o que se quer criar a partir de si mesmo.