quarta-feira, 30 de maio de 2012

Memórias



Diante da bela visão da minha montanha de quartzo rosa que avisto da minha varanda, eu solto um pouco minha alma e ecôo pelos ventos minha simples pergunta. "Para que isso tudo, afinal?"
Eu tento, mas não posso evitar. Cada quadro me vem à mente, claro e detalhado, e eu me permito um momento de devaneio me perguntando para onde se foram cada uma de todas as vidas que ainda posso me lembrar.
Onde está o destino de tantas lutas, de tantas mortes prematuras? Cada fogueira, cada batalha, cada forca, cada prisão? Todas as certezas defendidas com tanta honra e respeito, cada amor desfeito em prol de algo sempre maior?
Eu as sinto todas dentro de mim, vívidas e claras, às vezes mais do que poderia desejar, mas procuro em vão o seu destino.
Os dias de descoberta na Lemúria, a perda da pátria, os séculos de escuridão e desassossego. O emergir, o entender, o aceitar e o abrir.
As areias do deserto, a vida nômade falando com o vento e descobrindo o caminho que a água falava. A dignidade dos oráculos da Mãe, a beleza do amor divino no seio da Deusa Sagrada.
A violação do sagrado, a corrupção dos valores, e a revolta interna que somente a dor insuportável pode criar. A perda, a luta, a culpa. Mais dor.
Para que tanta dor?
O Salvador, a esperança, o Seu perdão. Uma nova caminhada, então. Os passos da Grande Senhora e Seu Caminho. Uma nova direção a seguir.
As brumas das sacerdotisas de Avalon que insistiram em desacreditar, por puro medo dos mistérios que podiam carregar. A distorção dos fatos sagrados. A esperança na linhagem sagrada que simplesmente se corrompeu, e nada mais poderia oferecer. A promessa da guarda dos mistérios. A esperança da libertação de cada um deles. Um dia.
Mortes por ver a verdade, por não poder negá-la. Mortes pelo poder que a Mãe concede a cada uma que se ampara na Sua Luz. Mortes por justiça. Mortes, mortes, mortes. Tantas, que não consigo contar.
Despedidas de tantos olhos contendo uma promessa de amor. Vidas em solidão. Fé no que não se pode explicar.
Hoje, nestes tempos esperados, diante de tantos terremotos nos mesmos lugares onde minha dor foi sepultada, sinto que algo sai com a terra remexida, e não sei dizer se é bom. Mas deve ser.
Sinto um cansaço sem explicação, fisicamente falando. Tenho tanto sono, quero sempre dormir.
Uma longa estrada vivida, tantos sacrifícios, tantas perdas. Quando acabara? E onde, afinal?
Meu amigo Madureira diria que sempre se pode escolher a saída pelo lado esquerdo de qualquer lugar. Bom conselho, sempre preferi o esquerdo de qualquer coisa, mesmo. Minha irmã, amante fiel da vida, me diria que tudo é uma grande história digna de um final feliz - ela sempre acredita que um final feliz está sempre prestes a chegar. Posso ver minha querida tia Edna sorrir aquele sorriso irônico de quando queria mesmo era chorar, e me dizer "Pois é... quem merece esta vida neste mundo todo louco?". Minha amiga de alma Cristina soltaria uma risada nervosa e diria "É isso aí, Remarajane (é assim mesmo que ela me chama, não é erro de digitação), não adianta chorar. Força na peruca e equilibra no salto alto que a festa já já vai começar!". Meu querido Jamil diria simplesmente "Esquece, tudo isso já passou." Eu os amo tanto, todos eles. Mas infelizmente, ainda não passou. Algo ainda ecoa na minha alma e não faço idéia de como sairá.
Meus amigos cavaleiros me cercam e minha alma deseja chorar. "Para onde, meus amigos, para onde vamos agora?"
Eles não respondem, respeitosos em suas poses de protetores eternos.
Muitos aparecem, aos poucos, sem resposta. Talvez eu mesma não queira que respondam. Apenas que fiquem comigo.
Tudo para estar aqui, exatamente aqui, hoje. Tudo. Esperei tanto por este momento, desejei os dias em que os mistérios lacrados fossem enfim revelados. Achei que me trariam paz.
Tantas vidas, tantas batalhas. Cada palavra guardada e repetida por gerações para não se perder. Para que afinal?
O mundo continua nublado, mas sinto agradecida, que algumas belas luzes se fazem ver. Não discordo que muita coisa mudou. Eu mesma acredito que nesta vida não serei queimada ou presa por ser quem sou, e acreditar no que acredito, e ver o que vejo - isso é visivelmente um progresso! Agora posso ser apenas louca, mas não uma ameaça (pensando bem, será isso mesmo um progresso?).
Depois de tanto vivido, sinto um desejo profundo de descansar. Muito mesmo. Não quero mais batalhas, nem lutas, nem perdas. Eu me cansei de todas elas. Eu simplesmente gostaria de viver.
Mas para onde? Quando anunciarão o final das perdas? Quando será realmente o fim da busca e o início do encontro?
"A resposta está sempre dentro de nós." É o que diriam os Mestres. "Voe, ser azul, voe, o mais alto que puder voar". Lembro a cada dia das palavras do belo anjo Ei-Lah, a cada vez que eu dizia que eu não podia, que não sabia para onde ir.
Voar. É o que procuro fazer há anos. Deus sabe como procuro. Já dei alguns rasantes, admito. Mas voar mesmo, assim, com magnitude e liberdade, continua sendo uma busca.
Diante da minha bela montanha, percebo que ela é a que mais me segura em pé. Ancora meu ser, doa sua força, sem nada cobrar. É minha relação mais produtiva atualmente - não posso deixar de rir ao perceber o quanto dramática é esta afirmação, ainda que verdadeira...
O que a Humanidade ainda precisa, ainda espera de pessoas como eu? O que as pessoas que amo, que convivo, que acreditam, pensariam de mim neste momento?
A montanha não responde. Assiste, abnegada, e me manda doces raios cor-de-rosa que se unem à minha aura confusa. Acalma.
Os anjos, os índios, as belas sacerdotisas, todos se unem aos calados e bravos cavaleiros.
Apesar de tudo, parecem tão calmos que me acalmam. É tudo uma questão de tempo e vontade.
Fico, então. E espero o momento certo. É o que mais aprendi a fazer.

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