sábado, 20 de novembro de 2021

Na Montanha Azul

Era para ser incrivel. Era para ser lindo, profundo, intenso, rico... Não digo perfeito, porque já tenho idade para saber nada seria assim. Mas era para ser muito mais do que é.

Quando mergulho na alma, na busca incansável de respostas reais, encontro espelhos turvos voltados para mim mesma. Imagens distorcidas da minha alma, meu sorriso, do meu olhar, todos refletindo com a mesma dureza de um punhal afiado. Tudo, absolutamente tudo, é criação minha.

As ideias absurdas de felicidade plena, as noites incríveis ao luar, os olhares incansáveis dizendo milhões de palavras silenciosas por segundo que poderiam estar cravados em apenas uma frase de Amor. Tudo são criações minhas, tortas, sem nexo, contendo pedaços de realidade, montadas pela minha ingênua ideia de romance. Reflexos de um coração sem rumo, sem voz, sem lugar, nômade no mundo humano, sem reais conexões ou um lugar de outra alma realmente para chamar de lar. Não existe isso de lar no coração de outro alguém. Isso eu aprendi. 

Vaguei em ideias e ideais, entre surtos, choros, êxtases e momentos de profunda paz. Conheci parte do Todo, rodei em círculos procurando desfechos para tantas histórias, e nada era real. Eram somente imagens minhas refletidas pela vida afora, completamente feitas do que não posso controlar. 

Olhando de fora, na montanha azul do meu céu, a dinâmica me parece tão simples que até me ofende... A Luz sai em raios intensos das profundezas da minha alma, alcançando seu ápice no farol do meu coração. Não percebo os desvios do mundo, a contaminação das ideias e valores, não considero pensamentos menores... Eu sigo meu raio com os olhos esperando desesperadoramente pelo que me mostrará. E ele chega. Toca o outro afoito e estranho, talvez até cego ou sedento, e vejo o reflexo apenas de mim mesma e meus anseios, distorcidos pelo caminho, pelo vento, pelas águas turvas do outro ser. Não reconheço nada que retorna a mim, me desespero, me frustro, me calo, me zango, me encolho e silencio. De quem poderia ser a culpa afinal?

Como culpar meu puro raio de amor tão cego pela inocência que carrega? Ou culpar os caminhos, os ventos, as águas, e a sombra que carregam dentro de si? Como exigir do outro que caminha as cegas como eu, por não refletir o que julgava ser eu mesma nele? 

Na montanha azul do meu céu paro atônita, envolvida pelo sentimento de total impotência, e sinto cada parte minha desmoronar. Vão se desfazendo corpos e cores, flores e amores, ideias, canções, poções... escorrem por mim, ou o que sobra do que fui, e se vão na missão de me libertar da minha própria ilusão. Procuro me focar no que sobra, sem me perder no que já não posso mais conter. Não quero conter. Dói segurar o que não pode ser. 

Sinto que sou menos, bem menos do que pensava ser. Não que isso seja necessariamente ruim, ao contrário, não é. É leve. 

Mas mesmo sendo muito mais fácil de ser e sentir, ainda me sinto vazia. Há uma intensidade que não consigo substituir. A leveza aos poucos me incomoda por não me levar às profundezas do meu sentir, e isso começa a me incomodar mais do que pensava. Eu não sou leve. Eu nunca fui leve. Se há algo leve aqui definitivamente não pode ser eu mesma. 

Separando o Eu do Não Eu, tirando da frente as ideias de iluminação engessadas, sinto aos poucos que sou feita de emoções intensas, de extremo frio e calor. Não sou leve, agora é uma constatação. 


Subo as montanhas mais altas na busca de um momento que justifique toda a escalada, sem medo algum. Posso viver anos nadando em mares profundos por um único beijo de amor que contenha a alma pura de alguém que vê o infinito no meu olhar e possa refletir isso no seu no segundo seguinte que pode ser o único. Ultrapasso a tempestade, luto com as sombras, congelo... mas preciso de um abraço tão quente e real que me cure de todas as feridas do caminho. E tudo estará bem.

Mas onde está o caminho? Onde está a estrada? 

Aqui na minha montanha azul, não encontrei nada ao pico, apenas uma música melancólica mas linda que parecia ler minha vida com tons altos e baixos, com harmonia perfeita. Só. 

Não encontrei braços que me abrissem uma nova Luz, olhares que me permitissem mergulhar em um segundo de alegria silenciosa, não encontrei calor. Apenas eu mesma e minha música. Minha história. 

Aos quatro cantos o grande mistério se formava e me envolvia, e ali era o fim. Respirei o mais profundo que pude, e aceitei. Parecia um tanto justo que terminasse como começou... um suspiro. 

Mesmo sabendo que tudo que vejo daqui é agora ilusão dos meus sentidos refletidos em tudo que toquei, me dei meu luto. Era irreal, mas era meu. Era eu de alguma forma, distorcida mas forte.

Aos poucos a neblina tomou conta de todo vale ao redor, e a música se tornou mais doce. Eu me sentei, e desisti. Não valia mais andar, pensar, desejar ou simplesmente olhar. Do que é feita a realidade então? 

Fiquei ali, juntando os pedaços por mim desconhecidos, e me abrindo para algo que não posso imaginar. Percebi que desta forma não crio, não projeto, não se reflete, não se distorce, não dói. Apenas é.

Mas ainda estou só. Isso ainda não consegui resolver. Vou me focar na música, talvez até a montanha em algum momento se dissolva, e eu possa caminhar em solo fértil novamente na próxima manhã de sol.

Quem sabe.  









Nenhum comentário:

Postar um comentário